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LIVROS
Autor investiga Hitler a partir de sua biblioteca
Livro de historiador americano mostra influência de obras sobre o líder nazista
Com uma coleção que chegava a 16 mil títulos, führer era leitor compulsivo, mas absorvia pouco, segundo Timothy W. Ryback
RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL
Um raro exemplar de um volume de 1915, "O Reino de Deus
e o Mundo Contemporâneo",
de Peter Maag, foi localizado há
alguns anos numa promoção de
um sebo de Nova York, a US$
0,50. Na contracapa, a assinatura do antigo dono: "A. Hitler".
O livro era um entre os 16 mil
que o ditador nazista reuniu ao
longo da vida e que, retirados
de suas casas em Munique, Berlim e Obersalzberg após seu
suicídio, em 1945, espalharam-se por bibliotecas e universidades dos EUA e da Europa -ou
apenas se perderam.
É por meio desse material
que o historiador Timothy W.
Ryback busca decifrar, em "A
Biblioteca Esquecida de Hitler
- Os Livros que Moldaram a Vida do Führer", a personalidade
do homem responsável pela
morte de 6 milhões de judeus
durante a Segunda Guerra.
"Foi um homem que leu um
livro por noite durante quase
toda sua vida adulta. Os títulos
são uma janela única para seu
mundo interior", diz o autor à
Folha, por telefone, da França.
Mas uma janela que, olhada
com cautela, permite afugentar
a ideia de intelectual que se teria de um leitor compulsivo.
Nas estantes de Hitler conviviam, sem critério, obras de filósofos como Nietzsche e Schopenhauer e tratados antissemitas; livros de arte e volumes de
literatura barata; histórias de
guerra e teorias do ocultismo.
"Ele era um leitor acrítico,
capaz de ler um estudo filosófico num dia e, no outro, um panfleto racista, sem fazer nenhuma distinção", diz Ryback.
A própria biografia do führer,
"Mein Kampf" (minha luta,
lançado em dois volumes, em
1925 e 1926), já dava pista da
leitura superficial a que ele se
dedicava -mesmo em clássicos
como "Dom Quixote".
O autor distingue, nos parágrafos do nazista sobre "como
ler livros", uma "chave absoluta" para entender como fazia isso. Em vez de devorar livros como fonte de conhecimento, Hitler os usava para embasar teses preconcebidas, "como peças a preencher um mosaico".
Ou seja, ao pegar um livro como "O Judeu Internacional: o
Principal Problema do Mundo", de Henry Ford, Hitler só
confirmava aquilo em que acreditava -mas ganhava ideias para seus discursos virulentos.
Outros títulos tiveram efeito
mais nocivo, na opinião de
Ryback. É o caso de "O Declínio
das Grandes Raças", de 1916,
em que o americano Madison
Grant teorizava sobre como a
chegada de judeus levaria à decadência dos EUA.
"Sabemos que Hitler ganhou
esse volume cedo, por volta de
1924, e que se referia a ele como
a sua Bíblia. O livro funciona
quase como um projeto de tudo
o que aconteceria anos depois."
Erros de ortografia
O nazista obviamente não leu
todos os seus livros, muitos deles presentes de aduladores
-Ryback calcula que ele não
tenha chegado a folhear nem
10% deles. Também não lia por
prazer, mas sim para compensar o fato de ter parado de estudar aos 15 anos. Várias vezes,
referiu-se ao período em que ficou preso, nos anos 20, após
uma tentativa fracassada de
golpe, como "formação às custas do Estado".
Disso decorria que em seus
próprios escritos deixava passar erros grosseiros de ortografia -lapsos equivalentes a "presado sr." ou "prizão"-, como
Ryback pôde observar nos originais de "Mein Kampf".
A maior parte conhecida de
sua coleção, cerca de 1.200 livros, está hoje na biblioteca do
Congresso, em Washington,
nos EUA -com as devidas marcações feitas a lápis pelo nazista. Por exemplo, o livro de Madison Grant, o que surpreende
o autor. "Eu o descreveria como
um dos livros mais perigosos do
mundo, e qualquer um pode ir à
biblioteca e pegá-lo para ler."
A BIBLIOTECA ESQUECIDA DE
HITLER
Autor: Timothy Ryback
Tradução: Ivo Korytowski
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 46 (336 págs.)
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