São Paulo, domingo, 30 de maio de 2010

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Mundo vai mal e humoristas são "raça em extinção", afirma Quino

Em tom desiludido, criador de Mafalda diz que quer voltar a desenhar, mas não sabe quando

Para autor, humoristas tendem a se repetir enquanto tratarem da sociedade, que pouco mudou com o tempo

Fotos Divulgação
Última tira da personagem Mafalda, de 1973

DE SÃO PAULO

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

Folha - Quando fazia a Mafalda, tinha esperança de que o mundo ficasse melhor?
Quino -
Sim, ela lutava para que o mundo melhorasse.

Mas, lendo alguns de seus cartuns, parece que o mundo está pior...
Acho que sim. Crise econômica, bancos, desemprego... Está muito pior. Bem, mas lemos no Velho Testamento que a humanidade sempre esteve mal. Repare que de Adão e Eva saiu um filho assassino. Logo, de quatro pessoas que existiam no mundo, um quarto eram delinquentes. Então, não mudou nada. Somos assim.

Por que parou de desenhar?
Porque parecia que estava dizendo desde sempre que o mundo ia mal. E que tinha que parar para pensar e ver se achava argumentos diferentes.

Tem planos de voltar?
Quero voltar, mas não há planos. Porque depois muda sua situação, seu estado de ânimos, sua saúde, as coisas mudam muito.

E como está sua saúde.
Anda mais ou menos.

O que está de mais e o que está de menos?
Bem, demais estão os anos... De menos, a juventude.

Picasso costumava dizer que era preciso muito tempo para tornar-se jovem...
Isso era o incrível desse velho. Cada dia inventava uma coisa diferente. Mas quantos Picassos há no mundo? Pouquíssimos.

Como foi a entrada do computador em sua vida profissional?
Não entrou nunca.

Você se sente de alguma forma excluído pelas novas tecnologias?
Sim. Porque, por exemplo, na Europa é muito comum que você vá ao correio e não haja uma pessoa para atendê-lo. Você vai a uma máquina, pesa a carta, vê quanto tem que pagar e tudo o mais, sem encontrar uma pessoa para lhe dizer que gostou do seu penteado hoje.

Acompanha os humoristas de hoje em dia?
Somos uma raça em extinção. Nós, humoristas, éramos as pessoas que denunciavam situações que nem todo mundo se dava conta. Agora, o que se vai denunciar? Há vários livros denunciando de tudo na política e nada acontece. Antigamente, você desenhava algo e ia preso. Agora, nada importa.

Como cidadão de Mendoza, gosta de um vinho?
Gosto muito. Apesar de um senhor que se chama Michel Roland [consultor de vinícolas francês], que impõe um tipo de vinho que tem o mesmo gosto em todo lugar.

Mafalda não suportava sopa. E você?
Eu gosto. Isso era uma alegoria dos governos militares: algo de que ela não gostava, mas que tinha que suportar.

Há trabalhos seus feitos há muito tempo que ainda estão atuais. Isso é sinal da genialidade do Quino ou da dos nossos políticos?
A realidade muda pouco, os temas são recorrentes. Você lê Hamlet e tudo o que se passava naquele castelo é o que se passa na Casa Branca ou em qualquer palácio de governo. Intrigas, assassinatos. Não muda nada.

Os humoristas estão fadados a se repetir?
Enquanto nos ocuparmos sobre como funciona a sociedade, sim, porque ela se repete. O ser humano segue tão mal como sempre.

Folha.com

Leia a íntegra da entrevista com Quino

folha.com.br/il741360


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