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Eleição de Cid Ferreira pode tirar Cildo Meireles da mostra
Recondução de ex-banqueiro ao conselho da Bienal gera reação; para artista, que inaugura mostra no ES, é difícil "compactuar com gangsterismo cultural"
GABRIELA LONGMAN
ENVIADA ESPECIAL A VILA VELHA
A lista diz que ele estará na
Bienal, mas Cildo Meireles não
sabe. "A questão da Bienal ficou
complicada desde a última sexta-feira, com a reeleição de
Edemar [Cid Ferreira] para o
conselho. Tenho enorme respeito pela Lisette [Lagnado],
mas acho complicado compactuar com esse gangsterismo
cultural", disse o artista, um
dos mais prestigiados do país,
por ora mais preocupado com a
exposição que inaugura hoje
em Vila Velha, Espírito Santo.
Uma torre feita com mais de
800 rádios empilhados -pequenos e grandes, antigos e
modernos, novos e usados-,
cada um sintonizado numa estação diferente; uma passarela
de madeira sobre um enorme
mar de livros -livros abertos
com a foto do mar- e a palavra
"água" sendo repetida em 80
idiomas. Essas são descrições
breves, muito breves, para "Babel" e "Marulho", dois grandes
destaques da exposição no Museu Vale do Rio Doce.
A primeira, inédita no Brasil,
foi montada uma única vez na
Finlândia, onde permanece como parte da coleção do Kiasma
Museum de Helsinque. Pensada no começo dos anos 90, a
obra une vozes, rádios, sons.
""Babel" é uma espécie de corte enciclopédico do objeto rádio. Os mais antigos são mais
pesados e acabam ficando na
parte debaixo [da torre]. A primeira versão foi feita na Finlândia, que tem 5 milhões de
habitantes... dá para imaginar
que esgotamos o mercado de
rádios no país. Para esta versão,
coletamos aparelhos do Rio, SP
e Brasília; de colecionadores a
camelôs", conta Meireles.
Distâncias
Com ele, o técnico Luiz Carlos Ferreira, 59, passou meses
consertando os rádios antigos
para que agora funcionem na
instalação. A temperatura da
sala, por exemplo, é um dos
itens indispensáveis para o funcionamento das válvulas.
"O rádio lida com o espaço de
uma maneira muito peculiar:
não é exclusivista como a TV;
você faz coisas enquanto ouve
rádio, ele permite um viajar
mais ilimitado. Eu tenho uma
espécie de fascínio eufônico:
estou com 58 anos e a palavra
que mais me emociona é uma
palavra em espanhol: "lejos"
[longe, distante, remoto]. O rádio me remete muito a essa
idéia do distanciamento do sujeito de si mesmo", prossegue.
A exposição traz ainda obras
que marcam a trajetória de Cildo. Lá está a emblemática
"Cantos" (1967/68), maquete
baseada no conceito euclidiano
de espaço, e "Malhas da Liberdade", apresentada em 1977 na
Bienal de Paris.
"Malhas da Liberdade" representa um pouco a minha
maneira de pensar. Sabe esses
desenhos obsessivos/repetitivos da infância? O meu era
sempre formado por uma linha, entrecruzada por outra,
essa por sua vez cortada por
uma terceira... Em 1976, resolvi
fazer isso no espaço "real" com
redes, sempre pensando: "Não é
possível que isso ainda não tenha sido estudado". Consultei
amigos matemáticos, que não
conseguiram me ajudar. Mais
tarde descobrir que Feigenbaum, um físico americano, estava estudando isso. Ele descobriu uma constante para isso,
que chamou de "Cachoeira das
Bifurcações"."
Os trabalhos "Mebs/Caraxia" (1970), "Sal sem Carne"
(1974), "Cruzeiro do Sul"
(1969/70) e "Glove Trotter"
(1991) completam o time de
obras escolhidas pelo curador
Moacir dos Anjos, diretor-geral
do MaMam, em Recife.
Ondas sonoras
Ao partir de "Babel" e "Marulho", o curador percebeu que
ambas lidavam com o som e sua
propagação. A partir disso, outras obras da mostra tocam o
tema, especialmente "Mebs/
Caraxia" e "Sal sem Carne".
"Além do som, procuramos trabalhar com o espaço; não só o
espaço físico mas também o espaço político, tema constante
em sua trajetória", diz Anjos.
Cildo Meireles nasceu no Rio
de Janeiro, mas já morou em
Goiânia, Brasília, Belém, Nova
York. Mente circulante, fala de
seu trabalho fazendo referências a cinema -Orson Welles,
Jacques Tati-, literatura
-Kafka e Borges-, filosofia,
geografia, física e matemática.
Quando falava de sua dúvida
em relação à Bienal, porém,
terminou com menções futebolísticas: "Ao reeleger um homem ligado a falcatruas do
mundo da arte, o próprio conselho fica sob suspeita. Como
diria o grande filósofo brasileiro Dadá Maravilha: "Me inclua
fora dessa'".
A repórter viajou a convite do Museu Vale do Rio
Doce
CILDO MEIRELES
Quando: de hoje a 17/9; de ter. a qui. e
sáb. e dom., das 10h às 18h; sex., das
12h às 20h
Onde: Museu Vale do Rio Doce (Antiga
Estação Pedro Nolasco, s/nš, Vitória,
tel. 0/xx/27/3246-1443)
Quanto: entrada franca
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