São Paulo, sábado, 30 de junho de 2007

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Livros - Crítica/coletânea

Ruy Castro traça panorama musical com marca própria

Agradável e mordaz, "Tempestade de Ritmos" analisa sobretudo estrelas do jazz

CARLOS RENNÓ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ruy Castro, nome histórico do jornalismo cultural brasileiro, comemora 40 anos de atividade com uma seleção de seus artigos sobre jazz e música popular publicados em vários jornais e revistas do país desde fins da década de 70.
"Tempestade de Ritmos" abrange uma série de gêneros e ídolos predominantes na primeira metade do século 20. Reserva pouco espaço para a bossa nova, assunto em que o autor se notabilizou, porque este já reuniu material sobre o tema em três outros livros. Um deles, o "Chega de Saudade", obra-prima da literatura sobre a história da música brasileira.
Com grande conhecimento acerca dos primeiros movimentos jazzísticos -swing, sobretudo- e a canção americana clássica, Castro se mostra à vontade ao escrever sobre a trajetória de artistas importantes naqueles cenários.

Famosos e menos célebres
O elenco dos músicos, cantores e compositores que aborda tem o mérito de não se restringir aos de maior notoriedade (que vão de Benny Goodman a Miles Davis, de Louis Armstrong a Ray Charles, de Irving Berlin a Cole Porter). Inclui também nomes de notáveis menos conhecidos (como o multimúsico Lionel Hampton, os compositores Billy Strayhorn, Vincent Youmans, Hoagy Carmichael e Stephen Sondheim, os letristas Oscar Hammerstein e Dorothy Fields).
Castro faz análises esclarecedoras de processos e estilos musicais. Em uma delas, por exemplo, justificando o epíteto que lhe aplica de "o cantor mais importante do século 20", conta como Bing Crosby se tornou um dos mais influentes intérpretes em seu país (no nosso, inclusive), após assimilar o canto de Armstrong e suavizá-lo.
Em outro capítulo, o dedicado à música brasileira (o livro visita também mundos como o do mambo e o da canção francesa), apropriadamente intitulado "Apitos no Samba", ele explica o canto maravilhoso de Roberto Silva, espécie de mix dos padrões de Orlando Silva e Ciro Monteiro.
Para dar idéia da qualidade poética das canções de Porter, Ira Gershwin, Lorenz Hart, Johnny Mercer e companhia, recorre a uma imagem eficaz, dizendo que "a construção de uma letra era como projetar uma casa: com estrutura, fundações, divisão de aposentos e decoração de interiores. Um letrista daquela turma podia passar semanas em busca de uma rima interna".
O aspecto biográfico prevalece em muitos dos textos, ricos em revelações de dados pessoais e profissionais que apresentam interesse à compreensão das artes dos focalizados.
Castro se dá bem ao procurar mostrar o homem para tornar mais conhecido o artista. Recontando o que se pôde descobrir acerca da vida de Ella Fitzgerald, envolta em mistério, investiga as possíveis relações entre sua personalidade e seu modo de cantar.

Escrita agradável
Colabora demais para os artigos de Castro a agradabilidade da sua escrita, de uma marca própria, inconfundível. Nela sobressaem a agilidade de pensamento e a irrupção de tiradas realmente engraçadas de que ele lança mão para eventualmente fechar com charme uma descrição ou a exposição de uma opinião.
Às vezes ele é mordaz, quando crítico. Ao falar provocativamente de Chet Baker, rebaixa o prestígio conferido ao cantor e trompetista num estilo maldoso-criativo que faz lembrar o de Telmo Martino.
Alguns de seus pontos de vista são discutíveis. Mabel Mercer ("a cantora mais sofisticada da música popular americana do século 20") e Bobby Short ("o darling dos milionários, dos grã-finos e dos bem-sucedidos"), cujos cantos exibem uma afetação antiga, com ranços operísticos, são no entanto endeusados. À primeira, ele atribui mais poder de influência sobre outros intérpretes que Billie Holiday e Frank Sinatra. Um exagero.
Castro se desidentifica com quase toda a sofisticação cultural nova dos anos 60 em diante.
Mesmo o seu gosto por jazz (que mal inclui, ou até exclui, estilos complexos como o bebop e o free) parece terminar na fusion. Ele lança farpas ao rock e desfaz até do que o originou, o blues, mesmo tendo este estado também nas origens do jazz. Algo nessas passagens soa como as demonstrações de soberba nas alusões que "Chega de Saudade" fez ao baião.
Mas assim como lá essa perspectiva entre requintada e arrogante não ofuscou o brilho da obra, tampouco aqui subtrai o valor de "Tempestade de Ritmos". A coletânea atesta o contributo original do jornalista para a divulgação crítico-informativa, entre nós, dos legados de grandes artistas -americanos, sobretudo- de uma modernidade já distante.


CARLOS RENNÓ é letrista e jornalista

TEMPESTADE DE RITMOS
Autor:
Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 52 (424 págs.)
Avaliação: bom


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