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Livros - Crítica/coletânea
Ruy Castro traça panorama musical com marca própria
Agradável e mordaz, "Tempestade de Ritmos" analisa sobretudo estrelas do jazz
CARLOS RENNÓ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ruy Castro, nome histórico do jornalismo cultural brasileiro, comemora 40 anos de atividade com
uma seleção de seus artigos sobre jazz e música popular publicados em vários jornais e revistas do país desde fins da década de 70.
"Tempestade de Ritmos"
abrange uma série de gêneros e
ídolos predominantes na primeira metade do século 20. Reserva pouco espaço para a bossa nova, assunto em que o autor se notabilizou, porque este já
reuniu material sobre o tema
em três outros livros. Um deles,
o "Chega de Saudade", obra-prima da literatura sobre a história da música brasileira.
Com grande conhecimento
acerca dos primeiros movimentos jazzísticos -swing, sobretudo- e a canção americana
clássica, Castro se mostra à
vontade ao escrever sobre a trajetória de artistas importantes
naqueles cenários.
Famosos e menos célebres
O elenco dos músicos, cantores e compositores que aborda
tem o mérito de não se restringir aos de maior notoriedade
(que vão de Benny Goodman a
Miles Davis, de Louis Armstrong a Ray Charles, de Irving
Berlin a Cole Porter).
Inclui também nomes de notáveis menos conhecidos (como o multimúsico Lionel
Hampton, os compositores
Billy Strayhorn, Vincent Youmans, Hoagy Carmichael e Stephen Sondheim, os letristas
Oscar Hammerstein e Dorothy
Fields).
Castro faz análises esclarecedoras de processos e estilos
musicais. Em uma delas, por
exemplo, justificando o epíteto
que lhe aplica de "o cantor mais
importante do século 20", conta como Bing Crosby se tornou
um dos mais influentes intérpretes em seu país (no nosso,
inclusive), após assimilar o canto de Armstrong e suavizá-lo.
Em outro capítulo, o dedicado à música brasileira (o livro
visita também mundos como o
do mambo e o da canção francesa), apropriadamente intitulado "Apitos no Samba", ele explica o canto maravilhoso de
Roberto Silva, espécie de mix
dos padrões de Orlando Silva e
Ciro Monteiro.
Para dar idéia da qualidade
poética das canções de Porter,
Ira Gershwin, Lorenz Hart,
Johnny Mercer e companhia,
recorre a uma imagem eficaz,
dizendo que "a construção de
uma letra era como projetar
uma casa: com estrutura, fundações, divisão de aposentos e
decoração de interiores. Um letrista daquela turma podia passar semanas em busca de uma
rima interna".
O aspecto biográfico prevalece em muitos dos textos, ricos
em revelações de dados pessoais e profissionais que apresentam interesse à compreensão das artes dos focalizados.
Castro se dá bem ao procurar
mostrar o homem para tornar
mais conhecido o artista. Recontando o que se pôde descobrir acerca da vida de Ella Fitzgerald, envolta em mistério, investiga as possíveis relações entre sua personalidade e seu modo de cantar.
Escrita agradável
Colabora demais para os artigos de Castro a agradabilidade
da sua escrita, de uma marca
própria, inconfundível. Nela
sobressaem a agilidade de pensamento e a irrupção de tiradas
realmente engraçadas de que
ele lança mão para eventualmente fechar com charme uma
descrição ou a exposição de
uma opinião.
Às vezes ele é mordaz, quando crítico. Ao falar provocativamente de Chet Baker, rebaixa o
prestígio conferido ao cantor e
trompetista num estilo maldoso-criativo que faz lembrar o de
Telmo Martino.
Alguns de seus pontos de vista são discutíveis. Mabel Mercer ("a cantora mais sofisticada
da música popular americana
do século 20") e Bobby Short
("o darling dos milionários, dos
grã-finos e dos bem-sucedidos"), cujos cantos exibem uma
afetação antiga, com ranços
operísticos, são no entanto endeusados. À primeira, ele atribui mais poder de influência
sobre outros intérpretes que
Billie Holiday e Frank Sinatra.
Um exagero.
Castro se desidentifica com
quase toda a sofisticação cultural nova dos anos 60 em diante.
Mesmo o seu gosto por jazz
(que mal inclui, ou até exclui,
estilos complexos como o bebop e o free) parece terminar
na fusion. Ele lança farpas ao
rock e desfaz até do que o originou, o blues, mesmo tendo este
estado também nas origens do
jazz. Algo nessas passagens soa
como as demonstrações de soberba nas alusões que "Chega
de Saudade" fez ao baião.
Mas assim como lá essa perspectiva entre requintada e arrogante não ofuscou o brilho da
obra, tampouco aqui subtrai o
valor de "Tempestade de Ritmos". A coletânea atesta o contributo original do jornalista
para a divulgação crítico-informativa, entre nós, dos legados
de grandes artistas -americanos, sobretudo- de uma modernidade já distante.
CARLOS RENNÓ é letrista e jornalista
TEMPESTADE DE RITMOS
Autor: Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 52 (424 págs.)
Avaliação: bom
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