São Paulo, sexta-feira, 30 de julho de 2004

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CRÍTICA

À margem, filme é espelho de seu tempo

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

São poucos os filmes que, hoje, conseguem escapar das duas grandes máquinas trituradoras do cinema (o comércio e a pseudoarte) para, de fato, se tornarem espelhos de seu tempo. Apesar de contar uma história que atravessa décadas, "Plataforma", de Jia Zhang Ke, comporta uma contemporaneidade rara e, talvez por isso, seja um dos filmes mais importantes dos últimos anos.
Com esse segundo longa-metragem, Jia Zhang Ke se impôs como cineasta à margem das convenções, capaz de chegar a um sentimento preciso em relação às transformações da China e (por que não?) do mundo. Com câmera (digital) fixa e planos longos, influência vívida do cinema de Hou Hsiao-hsien, "Plataforma" acompanha alguns anos na vida de quatro amigos de um grupo de teatro amador da província de Fenyang (terra natal do diretor, região inóspita na fronteira da Mongólia, onde ele realizou todos os seus filmes até agora).
Ao longo desses anos, que correspondem à abertura econômica da China, alguns amigos vão desistir da arte em uma descrição convincente e melancólica das microrrelações entre o processo histórico e a vida das pessoas.
A ação tem início em 1979, ainda na China maoísta, quando os amigos em questão montam uma peça para representar a vida de Mao Tse-tung. A história segue até meados dos anos 1990. Enquanto a China se abre economicamente, a trupe deixa de ser subvencionada pelo Estado e precisará correr atrás de seu sustento. Torna-se, então, um grupo mambembe, que, aos poucos, perde seus integrantes e ganha outros, passando também a incorporar elementos da cultura pop.
Mas não há, na passagem do comunismo ao capitalismo, redenção possível. Os dois sistemas, na visão lúcida do cineasta, apresentam-se de forma absurda. Jia Zhang Ke só consegue dar forma a esse sentimento ao deter longamente seu olhar sobre os personagens. Daí a importância dos planos fixos longos, uma opção estética que, nas palavras do próprio diretor, serve para "manter a unidade entre tempo e espaço e para não quebrar a relação entre a platéia e os personagens."
"Plataforma" (nome de uma canção popular dos anos 1980) não é de fácil fruição. Boa parte do trabalho cabe ao espectador, que também precisa estar disponível para se deixar levar pela proposta do diretor.


Plataforma
Zhantai
    
Produção: China/Japão/França/Hong Kong, 2000
Direção: Jia Zhang Ke
Quando: a partir de hoje no Cinearte 1



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