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CRÍTICA
À margem, filme é espelho de seu tempo
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
São poucos os filmes que,
hoje, conseguem escapar
das duas grandes máquinas trituradoras do cinema (o comércio e a pseudoarte) para, de fato, se tornarem espelhos de seu
tempo. Apesar de contar uma
história que atravessa décadas,
"Plataforma", de Jia Zhang Ke,
comporta uma contemporaneidade rara e, talvez por isso,
seja um dos filmes mais importantes dos últimos anos.
Com esse segundo longa-metragem, Jia Zhang Ke se impôs
como cineasta à margem das
convenções, capaz de chegar a
um sentimento preciso em relação às transformações da
China e (por que não?) do
mundo. Com câmera (digital)
fixa e planos longos, influência
vívida do cinema de Hou
Hsiao-hsien, "Plataforma"
acompanha alguns anos na vida de quatro amigos de um
grupo de teatro amador da
província de Fenyang (terra
natal do diretor, região inóspita
na fronteira da Mongólia, onde
ele realizou todos os seus filmes
até agora).
Ao longo desses anos, que
correspondem à abertura econômica da China, alguns amigos vão desistir da arte em uma
descrição convincente e melancólica das microrrelações entre
o processo histórico e a vida
das pessoas.
A ação tem início em 1979,
ainda na China maoísta, quando os amigos em questão montam uma peça para representar
a vida de Mao Tse-tung. A história segue até meados dos
anos 1990. Enquanto a China se
abre economicamente, a trupe
deixa de ser subvencionada pelo Estado e precisará correr
atrás de seu sustento. Torna-se,
então, um grupo mambembe,
que, aos poucos, perde seus integrantes e ganha outros, passando também a incorporar
elementos da cultura pop.
Mas não há, na passagem do
comunismo ao capitalismo, redenção possível. Os dois sistemas, na visão lúcida do cineasta, apresentam-se de forma absurda. Jia Zhang Ke só consegue dar forma a esse sentimento ao deter longamente seu
olhar sobre os personagens.
Daí a importância dos planos
fixos longos, uma opção estética que, nas palavras do próprio
diretor, serve para "manter a
unidade entre tempo e espaço e
para não quebrar a relação entre a platéia e os personagens."
"Plataforma" (nome de uma
canção popular dos anos 1980)
não é de fácil fruição. Boa parte
do trabalho cabe ao espectador, que também precisa estar
disponível para se deixar levar
pela proposta do diretor.
Plataforma
Zhantai
Produção: China/Japão/França/Hong Kong, 2000
Direção: Jia Zhang Ke
Quando: a partir de hoje no
Cinearte 1
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