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DISCO/LANÇAMENTO
Gravado solitariamente, "Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum)" é seu 1º CD inédito em 9 anos
Ben Jor volta embaralhando os cinco sentidos
DA REPORTAGEM LOCAL
Após nove anos sem criar álbuns inéditos, Jorge Ben Jor
precisa de apenas uma faixa em
"Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum)" para condensar a
filosofia de uma história musical
profissional de 41 anos. Mesmo
estando espalhada por toda sua
obra, ela só poderia ser explicitada por um homem de 62 anos, em
pleno gozo de maturidade.
Eis o que diz "Mexe Mexe", primeira canção do álbum: "Quando
você pára de brincar e mexer/ você envelhece/ (...) seu coração ao
invés de bater padece". Lutando
por aplacar dores, tristezas e, hoje,
o próprio envelhecimento, ele recorre ao antídoto que o menino
Jorge Ben já usava em 1963: dança
e festa são os bálsamos miraculosos para qualquer sofrimento, a
fonte da juventude eterna.
Descaminhos recentes até arriscam enferrujar os instrumentos
do pai da invenção da bossa nova
em versão negra, suingada, lotada
de alegria funk e de melancolia
soul. Mas sua música ainda se esmera em ser o que sempre foi: celebração para os cinco sentidos.
A mesma "Mexe Mexe", um
samba ritmado (mas modernizado) que evoca o Jorge Ben elétrico
dos tempos de "Amante, Amado"
(78), condensa em si experiências
sonoras, palpáveis, de olfato e paladar. É de dançar, mas tem perfume, sabor, saliências e reentrâncias. É música, e é sexo - "tô mexendo", responde em puro êxtase
o sensual trio feminino de vocalistas diante do comando "mexe,
mexe, mexe, mexe" do líder.
Em "História do Homem", que
exala vocais percussivos à moda
de Naná Vasconcelos, Jorge mexe
cadeiras numa política dos quadris, enquanto conta "a história
do homem que tocava pandeiro
pra maluco dançar".
O arranjo (aqui e em todo o disco) é sintetizado, feito solitariamente por um artista que desmontou a Banda do Zé Pretinho e
quaisquer outras bandas. Soa extemporâneo, acafonado, mas
simboliza e enfrenta o resgate da
sabedoria maltratada que Jorge
advogou nos anos 80 com o mago
diluidor dos sintetizadores, Lincoln Olivetti. As décadas tremem
sob a membrana musical do pai
dionisíaco com nome de santo.
Outra de suas marcas maiores
(e nem sempre bem compreendidas), a poesia de Ben Jor não é só
surreal. É visual. Ao festejar os anjos "Gabriel, Rafael, Miguel", ele
faz cinema num refrão que é um
happening: "Flap, flap, flap, fly,
fly". O ouvinte acha a frase imbecil, sente-se ridículo -mas acabou de ter uma aula de arte visual.
Ben Jor é um embaralhador. A
bandeira de São Jorge (Ben) na
capa é cristã, mas seu equivalente
afro-brasileiro, Ogum, governa o
disco em igual intensidade. A
poesia visual de "O Rei É Rosa
Cruz" existe em razão da sonoridade de nomes medievais ("Camelot"), mas a letra flui para incorrer em profunda filosofia
-"infeliz daquele que é demasiado fútil", morou?
Destilam-se num caleidoscópio
referências a futebol, índios, seres
extraterrestres, jogo do bicho, "Janaína Argentina", escola de samba, funk carioca, filósofos medievais, candomblé, latim. A "Turba
Philosophorum" de Ben Jor volta
ao mesmo (e radical) pregão do
Ben político e igualitário que tocava violão em 75: "Precisamos salvar os velhos/ precisamos salvar
as flores/ precisamos salvar as
criancinhas e os cachorros".
Chacoalhador de conceitos, o
mestre é também um embaralhador de sentidos. Nele, os anjos são
astronautas, o som respira, o ouvido vê, o olho fareja, o negro é a
soma de todas as cores e a música
é a fusão de todos os sentidos.
Ah, e as "peculiaridades" de mr.
Ben Jor vêm fazendo brotar cabelos brancos nas cabeças da equipe
da Universal. A gravadora tem
cortado um miudinho nas mãos
do pai da matéria, pode ser que
daqui a pouco ele nem tenha mais
emprego. O rei voltou, viva o rei.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum)
Artista: Jorge Ben Jor
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 30, em média
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