São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 2002

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"ABANDONO DO SUCESSO"

Yang propõe a reconciliação afetiva entre gerações

TIAGO MATA MACHADO
CRITICO DA FOLHA

O ator Jia Hongsheng era uma estrela em ascensão na ainda incipiente mídia televisiva chinesa quando, embalado por um sopro de inspiração romântico-ocidentalizante, mergulhou de cabeça, na base de drogas e rock'n'roll, em uma crise criativa e existencial.
O diretor Zhang Yang ("Banhos"), expoente do novo cinema chinês, com quem Hongsheng, em início de crise, trabalhara numa montagem teatral de "O Beijo da Mulher Aranha", resolveu fazer da história (real) do surto do ator, depois da recuperação deste, o tema de um filme.
"Abandono do Sucesso" nos propõe uma espécie de docu(psico)drama em que Hongsheng, os pais e os amigos interpretam a si próprios, mas a proposta é apenas o pretexto que o diretor Yang procurava para desenvolver mais um filme seu sobre a reconciliação entre gerações separadas por mutações culturais existentes na China contemporânea.
Provando que não perdeu o veio autoral, Yang se concentra na relação entre Hongsheng e os pais. A exemplo de "Banhos", o pai representa, em sua humildade e generosidade, a China tradicional (e rural), e o filho desgarrado e egoísta, a geração urbana, arrogante e, aparentemente, um tanto ingrata da China modernizada, ocidentalizada.
O tema de Yang é, portanto, um dos mais clássicos da história do cinema: a cisão entre gerações. A peculiaridade de Yang é tomá-lo sob uma perspectiva não necessariamente temporal (como em Ozu), mas afetiva: não é senão a afeição que os pais nutrem pelos filhos que supera, afinal, as diferenças culturais que separam as suas gerações.
O cinema de Yang é um cinema da reconciliação (em última instância, reconciliação entre tradição comunista e modernização capitalista), uma bela imagem, portanto, para os chineses venderem ao mundo.
Ao contrário de Ang Lee, cujos primeiros filmes, nos anos 90, em Taiwan, abordavam temas semelhantes, Yang trabalha ainda sob censura. Nesse sentido, o que também chama a atenção em "Abandono do Sucesso", além do talento narrativo de Zhang Yang, é a espantosa eficácia demonstrada pelas instituições do Estado, a exemplo de outra produção chinesa lançada por aqui, "Dezessete Anos" (1999, do diretor Zhang Yuan), no tratamento de fenômenos (ocidentalizantes) de delinquência juvenil.
A "história real" de Yang beira assim a propaganda de Estado, mas o encanto do cineasta pela cultura ocidental não chega a desvanecer, apenas tem suprimida sua tendência apológica.
"Não sou filho de Lênin, mas de Lennon", declara o beatlemaníaco Hongsheng na instituição psiquiátrica em que é internado. Sua cura deverá ser marcada pela recuperação da identidade chinesa e camponesa simbolizada pela aceitação do sabão de banha usado pelos pais.
Na instituição do Estado, o ator deve se livrar dos excessos da cultura libertária ocidental, aprendendo a conciliar lições de ambas as civilizações: o "Let It Be" de McCartney complementa assim o conselho confuciano de um colega de internação: "Você tem de se adaptar às coisas que o cercam, não elas a você".


Abandono do Sucesso
Zuotian    
Produção: China, 2001
Direção: Zhang Yang
Com: Jia Hongsheng, Chai Xiuling, Jia Fengsen, Wang Tong, Xing Shun
Quando: a partir de hoje no Cinesesc



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