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"ABANDONO DO SUCESSO"
Yang propõe a reconciliação afetiva entre gerações
TIAGO MATA MACHADO
CRITICO DA FOLHA
O ator Jia Hongsheng era
uma estrela em ascensão na
ainda incipiente mídia televisiva
chinesa quando, embalado por
um sopro de inspiração romântico-ocidentalizante, mergulhou de
cabeça, na base de drogas e
rock'n'roll, em uma crise criativa
e existencial.
O diretor Zhang Yang ("Banhos"), expoente do novo cinema
chinês, com quem Hongsheng,
em início de crise, trabalhara numa montagem teatral de "O Beijo
da Mulher Aranha", resolveu fazer da história (real) do surto do
ator, depois da recuperação deste,
o tema de um filme.
"Abandono do Sucesso" nos
propõe uma espécie de docu(psico)drama em que Hongsheng, os
pais e os amigos interpretam a si
próprios, mas a proposta é apenas
o pretexto que o diretor Yang procurava para desenvolver mais um
filme seu sobre a reconciliação entre gerações separadas por mutações culturais existentes na China
contemporânea.
Provando que não perdeu o
veio autoral, Yang se concentra na
relação entre Hongsheng e os
pais. A exemplo de "Banhos", o
pai representa, em sua humildade
e generosidade, a China tradicional (e rural), e o filho desgarrado e
egoísta, a geração urbana, arrogante e, aparentemente, um tanto
ingrata da China modernizada,
ocidentalizada.
O tema de Yang é, portanto, um
dos mais clássicos da história do
cinema: a cisão entre gerações. A
peculiaridade de Yang é tomá-lo
sob uma perspectiva não necessariamente temporal (como em
Ozu), mas afetiva: não é senão a
afeição que os pais nutrem pelos
filhos que supera, afinal, as diferenças culturais que separam as
suas gerações.
O cinema de Yang é um cinema
da reconciliação (em última instância, reconciliação entre tradição comunista e modernização
capitalista), uma bela imagem,
portanto, para os chineses venderem ao mundo.
Ao contrário de Ang Lee, cujos
primeiros filmes, nos anos 90, em
Taiwan, abordavam temas semelhantes, Yang trabalha ainda sob
censura. Nesse sentido, o que
também chama a atenção em
"Abandono do Sucesso", além do
talento narrativo de Zhang Yang,
é a espantosa eficácia demonstrada pelas instituições do Estado, a
exemplo de outra produção chinesa lançada por aqui, "Dezessete
Anos" (1999, do diretor Zhang
Yuan), no tratamento de fenômenos (ocidentalizantes) de delinquência juvenil.
A "história real" de Yang beira
assim a propaganda de Estado,
mas o encanto do cineasta pela
cultura ocidental não chega a desvanecer, apenas tem suprimida
sua tendência apológica.
"Não sou filho de Lênin, mas de
Lennon", declara o beatlemaníaco Hongsheng na instituição psiquiátrica em que é internado. Sua
cura deverá ser marcada pela recuperação da identidade chinesa
e camponesa simbolizada pela
aceitação do sabão de banha usado pelos pais.
Na instituição do Estado, o ator
deve se livrar dos excessos da cultura libertária ocidental, aprendendo a conciliar lições de ambas
as civilizações: o "Let It Be" de
McCartney complementa assim o
conselho confuciano de um colega de internação: "Você tem de se
adaptar às coisas que o cercam,
não elas a você".
Abandono do Sucesso
Zuotian
Produção: China, 2001
Direção: Zhang Yang
Com: Jia Hongsheng, Chai Xiuling, Jia
Fengsen, Wang Tong, Xing Shun
Quando: a partir de hoje no Cinesesc
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