São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 2005

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MÚSICA

Projeto Brasil de Todos os Sambas reúne compositores e intérpretes de São Paulo, Rio, Bahia, Maranhão e Minas Gerais

Em shows, CCBB esquadrinha os sotaques do samba

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Idioma musical "falado" no Brasil todo, o samba, como a língua portuguesa, tem sotaques variados: o partido-alto e os sambas-enredos do Rio, o samba-de-roda e a chula da Bahia, o samba de bumbo de São Paulo...
Na trilha das influências e alterações sofridas pelo gênero, o projeto Brasil de Todos os Sambas passeia por Rio, Bahia, Maranhão, Minas Gerais e São Paulo e mostra a partir de hoje, na unidade paulistana do Centro Cultural Banco do Brasil, os diferentes jeitos de se fazer samba.
"É fundamental que as pessoas saibam que há samba de qualidade em outros Estados. Queremos mostrar um pouco do sotaque de cada lugar", diz o produtor musical Alexandre Pimentel, 33.
A cada terça-feira, às 13h e às 19h30, o teatro do CCBB terá em seu palco grandes compositores e intérpretes dos cinco Estados. O primeiro deles é o Rio, que chega com o escritor e compositor Nei Lopes e com Monarco, compositor e cantor da Velha Guarda da Portela.
Prestes a lançar um livro sobre samba pela Pallas Editora ("Partido-Alto, Samba de Bamba"), Nei Lopes, 63, diz que tem teorizado muito sobre o gênero e dispara: "O samba no Brasil é um fenômeno sincrônico. Aconteceu em todo o país a chamada dança do tipo samba. No Rio de Janeiro, houve uma mistura, um amálgama que deu no samba urbano como a gente conhece hoje. Mas as formas rurais aconteceram no Brasil inteiro. É uma coisa tipicamente africana, com procedência bantu. A presença de trabalhadores escravizados de Angola e do Congo no Brasil se deu ao mesmo tempo em quase todo o território nacional, durante praticamente todos os ciclos econômicos. Então, pode-se dizer que existe samba no Brasil desde que o primeiro escravo procedente do Congo e de Angola pisou aqui".
O samba feito no Rio, segundo o escritor e compositor, é uma confluência de todas as vertentes que vieram de fora. "O samba carioca é o samba urbano por excelência, mas se nutre de toda essa tradição interiorana, rural. Hoje, o que vemos em outros centros, como São Paulo, Minas, Maranhão e Bahia, é uma espécie de retorno a esse samba urbano carioca", afirma.

Sotaque globalizado
Magnu Sousá, 30, do Quinteto em Branco e Preto, grupo paulistano que fecha o projeto ao lado da Velha Guarda da Camisa Verde e Branco, concorda. Diz que o "sotaque carioca se globalizou", mas que, ainda assim, o samba paulista mantém traços regionais.
"São Paulo tem um pouco daquela batida do samba de bumbo, de Pirapora, do Vale do Paraíba. Tem essa coisa do samba do Geraldo Filme", diz. "São Paulo, Rio e Bahia têm sotaques diferentes e ao mesmo tempo, próximos."
O traço rural do samba mineiro, influenciado pelo jongo e pelo calango, não passou ileso pelo processo de urbanização, mas sobrevive ainda hoje. "Em Minas e no Rio, o jongo foi muito forte. Isso marca o samba, mesmo que ele tenha sido urbanizado", diz o violonista Sérgio Santos, 48, que tocará com o compositor Mamão.
Terra de Ataulfo Alves, Ary Barroso e Geraldo Pereira, Minas homenageia seus compositores que foram "acolhidos" pelo Rio e sublinha sua riqueza harmônica.
"O samba mineiro é caracterizado pela forma de harmonizar. A grande característica da música mineira é a harmonia. No samba não poderia ser diferente. O Ary Barroso, que viveu até a maturidade em Minas, deu uma contribuição harmônica altíssima para a música feita aqui", diz Santos. "Se você pegar o meu violão e o do [carioca Maurício] Carrilho, a quem admiro muito, vai perceber uma diferença absurda, embora os dois estejam tocando samba."
Do Maranhão, o projeto traz o samba de Antônio Vieira, que divide o palco com a maranhense radicada no Rio Rita Ribeiro. "O samba do Maranhão talvez seja a expressão menos conhecida em relação aos outros", diz Pimentel.
Vieira, 85, destaca a riqueza cultural de seu Estado e defende a tradição: "Dizem que aqui é a terra do reggae. Não acredito nisso. A música do Maranhão ainda é a música regional".
No caso da Bahia, representada no projeto por Roque Ferreira e Jussara Silveira, a particularidade fica por conta da viola, instrumento sem o qual não se faz a chula, segundo Ferreira, 56. "A chula surgiu com os escravos que viviam nos engenhos e nas fazendas do Recôncavo", explica.
Nascido em Nazaré das Farinhas, o sambista descreve as duas expressões: "A chula e o samba-de-roda são feitos com simplicidade. A harmonia é muito simples, são duas ou três posições, no máximo. Se for enriquecê-los, deixam de ser chula e samba-de-roda". E há semelhanças com o samba de outros Estados? "O partido-alto se aproxima um pouco do samba-de-roda. Às vezes canta-se dois versos, abre-se a roda e a pessoa versa na hora."

Rio ou Bahia?
Falando em Rio e Bahia, onde foi que o samba nasceu? "Isso é uma polêmica que a gente prefere não entrar. Obviamente que o samba do Rio, no início, foi muito influenciado pelos baianos, que traziam esse samba do Recôncavo. Na praça Mauá, na região portuária do Rio e no centro, havia os migrantes e as tias baianas, da geração da Tia Ciata, que vinham da Bahia e traziam uma forma de fazer samba que influenciou muito o Rio. Mas em vez de dizer onde surgiu, é melhor mostrar o quanto ele é bom em vários lugares", desconversa Pimentel.
Bem-humorado, o baiano Ferreira, que diz sobreviver das apresentações que faz no Rio, encerra o assunto: "Existe essa discussão de que o samba nasceu na Bahia. Eu não concordo. Quem sustenta o samba é o Rio. Na [bairro carioca] Lapa, tem uma casa de samba em cima da outra. Em Salvador não tem uma. Aqui é só essa coisa horrorosa de axé e reggae".


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