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MÚSICA
Projeto Brasil de Todos os Sambas reúne compositores e intérpretes de São Paulo, Rio, Bahia, Maranhão e Minas Gerais
Em shows, CCBB esquadrinha os sotaques do samba
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Idioma musical "falado" no
Brasil todo, o samba, como a língua portuguesa, tem sotaques variados: o partido-alto e os sambas-enredos do Rio, o samba-de-roda e a chula da Bahia, o samba
de bumbo de São Paulo...
Na trilha das influências e alterações sofridas pelo gênero, o
projeto Brasil de Todos os Sambas passeia por Rio, Bahia, Maranhão, Minas Gerais e São Paulo e
mostra a partir de hoje, na unidade paulistana do Centro Cultural
Banco do Brasil, os diferentes jeitos de se fazer samba.
"É fundamental que as pessoas
saibam que há samba de qualidade em outros Estados. Queremos
mostrar um pouco do sotaque de
cada lugar", diz o produtor musical Alexandre Pimentel, 33.
A cada terça-feira, às 13h e às
19h30, o teatro do CCBB terá em
seu palco grandes compositores e
intérpretes dos cinco Estados. O primeiro
deles é o Rio, que chega com o escritor e compositor Nei Lopes e
com Monarco, compositor e cantor da Velha Guarda da Portela.
Prestes a lançar um livro sobre
samba pela Pallas Editora ("Partido-Alto, Samba de Bamba"), Nei
Lopes, 63, diz que tem teorizado
muito sobre o gênero e dispara:
"O samba no Brasil é um fenômeno sincrônico. Aconteceu em todo o país a chamada dança do tipo samba. No Rio de Janeiro,
houve uma mistura, um amálgama que deu no samba urbano como a gente conhece hoje. Mas as
formas rurais aconteceram no
Brasil inteiro. É uma coisa tipicamente africana, com procedência
bantu. A presença de trabalhadores escravizados de Angola e do
Congo no Brasil se deu ao mesmo
tempo em quase todo o território
nacional, durante praticamente
todos os ciclos econômicos. Então, pode-se dizer que existe samba no Brasil desde que o primeiro
escravo procedente do Congo e de
Angola pisou aqui".
O samba feito no Rio, segundo o
escritor e compositor, é uma confluência de todas as vertentes que
vieram de fora. "O samba carioca
é o samba urbano por excelência,
mas se nutre de toda essa tradição
interiorana, rural. Hoje, o que vemos em outros centros, como São
Paulo, Minas, Maranhão e Bahia,
é uma espécie de retorno a esse
samba urbano carioca", afirma.
Sotaque globalizado
Magnu Sousá, 30, do Quinteto
em Branco e Preto, grupo paulistano que fecha o projeto ao lado
da Velha Guarda da Camisa Verde e Branco, concorda. Diz que o
"sotaque carioca se globalizou",
mas que, ainda assim, o samba
paulista mantém traços regionais.
"São Paulo tem um pouco daquela batida do samba de bumbo,
de Pirapora, do Vale do Paraíba.
Tem essa coisa do samba do Geraldo Filme", diz. "São Paulo, Rio
e Bahia têm sotaques diferentes e
ao mesmo tempo, próximos."
O traço rural do samba mineiro,
influenciado pelo jongo e pelo calango, não passou ileso pelo processo de urbanização, mas sobrevive ainda hoje. "Em Minas e no
Rio, o jongo foi muito forte. Isso
marca o samba, mesmo que ele
tenha sido urbanizado", diz o violonista Sérgio Santos, 48, que tocará com o compositor Mamão.
Terra de Ataulfo Alves, Ary Barroso e Geraldo Pereira, Minas homenageia seus compositores que
foram "acolhidos" pelo Rio e sublinha sua riqueza harmônica.
"O samba mineiro é caracterizado pela forma de harmonizar. A
grande característica da música
mineira é a harmonia. No samba
não poderia ser diferente. O Ary
Barroso, que viveu até a maturidade em Minas, deu uma contribuição harmônica altíssima para
a música feita aqui", diz Santos.
"Se você pegar o meu violão e o do
[carioca Maurício] Carrilho, a
quem admiro muito, vai perceber
uma diferença absurda, embora
os dois estejam tocando samba."
Do Maranhão, o projeto traz o
samba de Antônio Vieira, que divide o palco com a maranhense
radicada no Rio Rita Ribeiro. "O
samba do Maranhão talvez seja a
expressão menos conhecida em
relação aos outros", diz Pimentel.
Vieira, 85, destaca a riqueza cultural de seu Estado e defende a
tradição: "Dizem que aqui é a terra do reggae. Não acredito nisso.
A música do Maranhão ainda é a
música regional".
No caso da Bahia, representada
no projeto por Roque Ferreira e
Jussara Silveira, a particularidade
fica por conta da viola, instrumento sem o qual não se faz a
chula, segundo Ferreira, 56. "A
chula surgiu com os escravos que
viviam nos engenhos e nas fazendas do Recôncavo", explica.
Nascido em Nazaré das Farinhas, o sambista descreve as duas
expressões: "A chula e o samba-de-roda são feitos com simplicidade. A harmonia é muito simples, são duas ou três posições, no
máximo. Se for enriquecê-los,
deixam de ser chula e samba-de-roda". E há semelhanças com o
samba de outros Estados? "O partido-alto se aproxima um pouco
do samba-de-roda. Às vezes canta-se dois versos, abre-se a roda e
a pessoa versa na hora."
Rio ou Bahia?
Falando em Rio e Bahia, onde
foi que o samba nasceu? "Isso é
uma polêmica que a gente prefere
não entrar. Obviamente que o
samba do Rio, no início, foi muito
influenciado pelos baianos, que
traziam esse samba do Recôncavo. Na praça Mauá, na região portuária do Rio e no centro, havia os
migrantes e as tias baianas, da geração da Tia Ciata, que vinham da
Bahia e traziam uma forma de fazer samba que influenciou muito
o Rio. Mas em vez de dizer onde
surgiu, é melhor mostrar o quanto ele é bom em vários lugares",
desconversa Pimentel.
Bem-humorado, o baiano Ferreira, que diz sobreviver das apresentações que faz no Rio, encerra
o assunto: "Existe essa discussão
de que o samba nasceu na Bahia.
Eu não concordo. Quem sustenta
o samba é o Rio. Na [bairro carioca] Lapa, tem uma casa de samba
em cima da outra. Em Salvador
não tem uma. Aqui é só essa coisa
horrorosa de axé e reggae".
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