São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

No sofá com Homer e Marge

Gilberto Braga consegue estabelecer um pacto com o espectador mais sofisticado e fisgá-lo para suas novelas

A NOVELA "Paraíso Tropical" vai chegando ao fim e, mesmo sem ter batido recordes de audiência, arrasta atenções de cerca de 40 milhões de brasileiros, segundo projeção da Globo, com base em dados do Ibope. Há anos vaticina-se o declínio ou mesmo o fim das novelas. O formato estaria desgastado e perdendo interesse. Há alguma verdade nisso, mas o colapso parece tão longínquo quanto a famosa crise final do capitalismo.
Por mais que a produção norte-americana de séries, imaginosa e divertida, se anuncie como a novela do futuro, a impressão é que, no Brasil, o folhetim eletrônico permanecerá hegemônico por muito tempo.
O fato é que, queiramos ou não, o formato ganhou entre nós contornos de arte nacional de massas. Poderíamos considerá-la a versão filtrada pela indústria cultural da dramaturgia "nacional-popular" proposta pela esquerda cultural dos anos 60.
A novela está para o Brasil como o cinema está para os EUA ou a Índia. E isso talvez faça parte da explicação sobre as dificuldades da produção cinematográfica do país em encontrar -e sustentar- uma linguagem standard própria que atraia e satisfaça o público.
Na telenovela, fisgar o espectador menos sofisticado -o Homer (ou a Marge, já que as mulheres são majoritárias) a que se referiu o âncora William Bonner- é sopa no mel. Não é preciso muito mais do que seguir a receita de adaptar às situações brasileiras o arsenal de enredos, clichês e arquétipos da narrativa popularesca, como fizeram os autores que consolidaram o gênero, caso da imbatível Janete Clair, a outra face da moeda Dias Gomes.
Tudo fica mais fácil, é claro, se a produção for patrocinada pela nossa Hollywood (ou "Pobrewood") televisiva, a Globo, que dominou a tecnologia e encontrou a fórmula da audiência no horário nobre.
Já o espectador letrado, para entrar no jogo, precisa de um pouco mais. Quando observadas com um mínimo de distanciamento, as novelas são em geral produções ruins, inverossímeis, sofríveis.
É verdade que os truques folhetinescos têm alcance universal, mas só isso não basta. Embora não seja o único a conseguir a façanha, Gilberto Braga parece ser o autor mais bem-sucedido na tentativa de atrair a audiência mais educada. Alguns representantes dessa elite noveleira, como o psicanalista Tales Ab'Sáber e o filósofo Renato Janine Ribeiro, não se acanharam em elogiar "Paraíso Tropical" na Ilustrada de domingo.
Além de alguns expedientes mais óbvios, como "politizar" a história, encenando dramas sociais reconhecíveis (o que outros também fazem), Braga oferece algo a mais.
Creio que ele consegue propor uma espécie de pacto com a audiência culta. É como se dissesse: "Olha, eu também estou brincando de fazer novela; relaxe e você poderá brincar de assisti-la".
Talvez esse pequeno descolamento -ou essa irônica "dobra", como diria alguém na USP- seja o truque de Braga para colocar pessoas mais sofisticadas no mesmo sofá de Homer e Marge.


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