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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
No sofá com Homer e Marge
Gilberto Braga consegue estabelecer um pacto com o espectador mais sofisticado e fisgá-lo para suas novelas
A NOVELA "Paraíso Tropical"
vai chegando ao fim e, mesmo
sem ter batido recordes de
audiência, arrasta atenções de cerca
de 40 milhões de brasileiros, segundo projeção da Globo, com base em
dados do Ibope. Há anos vaticina-se
o declínio ou mesmo o fim das novelas. O formato estaria desgastado e
perdendo interesse. Há alguma verdade nisso, mas o colapso parece tão
longínquo quanto a famosa crise final do capitalismo.
Por mais que a produção norte-americana de séries, imaginosa e divertida, se anuncie como a novela do
futuro, a impressão é que, no Brasil,
o folhetim eletrônico permanecerá
hegemônico por muito tempo.
O fato é que, queiramos ou não, o
formato ganhou entre nós contornos de arte nacional de massas. Poderíamos considerá-la a versão filtrada pela indústria cultural da dramaturgia "nacional-popular" proposta pela esquerda cultural dos
anos 60.
A novela está para o Brasil como o
cinema está para os EUA ou a Índia.
E isso talvez faça parte da explicação
sobre as dificuldades da produção
cinematográfica do país em encontrar -e sustentar- uma linguagem
standard própria que atraia e satisfaça o público.
Na telenovela, fisgar o espectador
menos sofisticado -o Homer (ou a
Marge, já que as mulheres são majoritárias) a que se referiu o âncora
William Bonner- é sopa no mel.
Não é preciso muito mais do que seguir a receita de adaptar às situações
brasileiras o arsenal de enredos, clichês e arquétipos da narrativa popularesca, como fizeram os autores
que consolidaram o gênero, caso da
imbatível Janete Clair, a outra face
da moeda Dias Gomes.
Tudo fica mais fácil, é claro, se a
produção for patrocinada pela nossa
Hollywood (ou "Pobrewood") televisiva, a Globo, que dominou a tecnologia e encontrou a fórmula da
audiência no horário nobre.
Já o espectador letrado, para entrar no jogo, precisa de um pouco
mais. Quando observadas com um
mínimo de distanciamento, as novelas são em geral produções ruins, inverossímeis, sofríveis.
É verdade que os truques folhetinescos têm alcance universal, mas
só isso não basta. Embora não seja o
único a conseguir a façanha, Gilberto Braga parece ser o autor mais
bem-sucedido na tentativa de atrair
a audiência mais educada. Alguns
representantes dessa elite noveleira, como o psicanalista Tales Ab'Sáber e o filósofo Renato Janine Ribeiro, não se acanharam em elogiar
"Paraíso Tropical" na Ilustrada de
domingo.
Além de alguns expedientes mais
óbvios, como "politizar" a história,
encenando dramas sociais reconhecíveis (o que outros também
fazem), Braga oferece algo a mais.
Creio que ele consegue propor
uma espécie de pacto com a audiência culta. É como se dissesse:
"Olha, eu também estou brincando
de fazer novela; relaxe e você poderá brincar de assisti-la".
Talvez esse pequeno descolamento -ou essa irônica "dobra",
como diria alguém na USP- seja o
truque de Braga para colocar pessoas mais sofisticadas no mesmo
sofá de Homer e Marge.
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