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NINA HORTA
Terroir no computador
Leo McCloskey não concorda com essas fragrâncias e sabores especiais de capim pisado, ou terra fresca
JAMAIS DEIXEI de responder a
um e-mail de leitor. Há não ser
há uns dois meses, quando me
perguntaram o que era terroir. Me
deu uma preguiça...
Ao jogar fora velhas revistas do
"New York Times", encantei-me
com um nome sonoro que tocava
castanholas na boca: Leo McCloskey. Trabalha numa companhia famosa de nome Enologix, que nada
mais faz do que receber amostras de
uvas de seus clientes e extrair seus
sucos para medir alguns de seus
compostos químicos.
Usa a mesma pontuação de Robert Parker, o guru mundial das notas, de propósito e do mesmo modo
que ele aprecia os vinhos frutados,
fortes, de intenso carvalho. Com toda a informação que tem, cria uma
imagem digital da adega e consegue
fazer hipóteses de qual seria o melhor vinho factível para aquela adega. Claro que há um mundaréu de
gente que discorda dessa escola globalizante, em que, no fim, todos os
vinhos se parecem. Reclamam da
falta de taninos que dão o gosto próprio à medida que o vinho envelhece, mas que podem também fazê-lo
amargo ou adstringente quando jovem. Esses vinhos não tem gosto de
terroir, não têm uma distinção regional. McCloskey não dá a mínima,
não concorda com essas fragrâncias
e sabores especiais de capim pisado,
ou terra fresca, ou marmelo maduro. Acha que no enorme mercado de
vinhos de hoje só haveria o caos para
os clientes na hora da compra. O que
lhes interessa é saber se aquele vinho de US$ 100 vale isso mesmo.
O equivalente em uma casa seria
saber o que há na geladeira e na despensa, o fogão e o tempo disponíveis, e clicar "menu". Apareceriam
por ordem todas as receitas, quantidades da melhor comida possível
naquelas circunstâncias e, apertando-se outro botão "upgrade", o que
precisaríamos fazer para tornar
aquela refeição inesquecível, como a
de um Escoffier moderno.
A McCloskey interessa o consumidor de massa que quer um vinho
redondo que desça gostoso pela goela, por um preço acessível. Os enófilos podem continuar girando seus
copos no nariz e cuspindo, porque
são os críticos que dão nota que vão
influenciar qual o vinho que a massa
deve comprar.
McCloskey, o de nome de castanholas, aos 25 anos já havia publicado novos métodos para medir o álcool e a fermentação malolática. (As
duas essenciais à análise do vinho.)
"A ecologia química diz que o gosto
de um vinho, a cor e a fragrância são
a expressão de seu ecossistema", comenta McCloskey. "Os cientistas do
vinho achavam que as uvas eram
mais complexas que as outras plantas. Mas descobri que a "vitis vinifera" produz uma lista relativamente
simples de sabores. As uvas, na realidade, são bem primitivas."
McCloskey, a certa altura, percebeu que os críticos que davam as notas iriam ganhar a batalha porque os
clientes não queriam comprar gato
por lebre, e os produtores de vinho
não estavam dando a informação
necessária. Para mostrar sua credibilidade, analisou uma safra de
Lafitte da década anterior, às cegas,
e seu índice de qualidade espelhava
exatamente a performance econômica dos vinhos daquela década.
O que McCloskey quer? "Meu objetivo é tornar meus clientes auto-suficientes, de modo que saibam resolver sozinhos todos os seus problemas com o método que tornarei
disponível a eles."
Para isso, está compilando todo o
seu conhecimento de vinhos. No futuro, tudo será transformado em
programas de computadores manejados pelos próprios clientes.
Então, leitor, "terroir" era o gosto
da terra. Demorei tanto para responder que virou um programa digital com dados como níveis de tanino
e antocianinos, e você comprará o
programa na esquina. Passe bem,
não importa quem esteja atrás desses números, McCloskey, Parker. O
terroir agora é seu.
ninahorta@uol.com.br
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