São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2008

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LIVROS

Comentário

Obra polemiza ao avaliar atores políticos

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

É severa a avaliação que Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota fazem da evolução política e social do país em "História do Brasil: Uma Interpretação". Para eles, traços de arcaísmo impregnados no modelo autocrático-burguês revelam a persistência do ranço da tradição escravista. Não que os autores deixem de reconhecer algum avanço. "O país caminha a passos largos, embora ziguezagueantes, para a consolidação da democracia representativa", afirmam. O problema, argumentam, é que isso é pouco. Panorâmica, a obra começa com a chegada dos primeiros habitantes, há milênios. É uma história que se encontra condensada em vasta bibliografia. O diferencial de Lopez e Mota foi ter esticado essa síntese à atualidade, objeto mais do relato jornalístico do que da reflexão histórica. Ao esboçar uma avaliação de atores políticos que continuam em cena, os historiadores abrem espaço para a polêmica. Para eles, o governo de Fernando Henrique Cardoso teve saldo positivo. Além da estabilidade financeira, houve alijamento (embora tardio e incompleto) de lideranças coronelistas, combate à corrupção e vitórias nas áreas de saúde e educação. Em contrapartida, FHC transigiu demais com conservadores e fisiológicos. Quanto a Lula, cada vez mais neopopulista, "vem fazendo um governo aquém do que se esperava em termos de compromissos sociais". Há decepção nesse juízo, não surpresa. Os autores citam a visão do historiador marxista inglês Perry Anderson, para quem o discurso "paz e amor" de Lula foi uma derrota antecipada da causa social. O Brasil, segundo Anderson, é o país do transformismo, "a capacidade que possui a ordem estabelecida de abraçar e inverter as forças transformadoras, até que fica impossível distingui-las daquilo que se propunham a combater". O livro não é isento de problemas. A morte de Ulysses Guimarães, em 1992, dificilmente foi um "percalço" da travessia entre ditadura e democracia. O capital político do "Senhor Diretas" se esgotara na eleição de 1990, quando teve menos de 5% dos votos. Em outra passagem, os autores afirmam que na primeira eleição de FHC esperava-se um "mergulho de profundidade da direita para a esquerda". Naquela altura, porém, já estava selado o acordo com o PFL, que sinalizava em direção oposta. Há, ainda, pelo menos um arriscado condicional. José Serra, "se tivesse chegado lá" [à Presidência], teria "garantido o ataque imediato a questões que permanecem pendentes". Lopez e Mota se propuseram a narrar uma história que não fosse marcada por uma visão particular. Se esse objetivo não tirou a unidade do livro, como temiam, é porque, apesar da combinação de teses oriundas de diferentes quadrantes historiográficos, prevaleceu a perspectiva da evolução das conquistas sociais e democráticas.

OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha)

HISTÓRIA DO BRASIL: UMA INTERPRETAÇÃO
Autores: Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota Editora: Editora Senac São Paulo
Quanto: preço a definir (1.056 págs.)



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