São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2004

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CINEMA

Autor de "Antes que me Esqueçam", Daniel Filho, 67, diz que "na vida, o que vale é a média", e afirma que será esquecido

"Não tenho mais nada a provar", diz diretor

Divulgação
As atrizes Débora Falabella (à esq.) e Marieta Severo em cena de "A Dona da História", de Daniel Filho


DA REPORTAGEM LOCAL

Nesta parte da entrevista, o diretor Daniel Filho fala sobre a produção de cinema no Brasil, a predominância da TV Globo no mercado e sua atuação na Globo Filmes. (SILVANA ARANTES)
 

Folha - O sr. avalia que o cinema caminha para ser menos arte e mais entretenimento juvenil?
Daniel Filho -
O cinema americano, que domina o mercado, tem apostado nesse tipo de filmes, possivelmente porque têm poder aquisitivo bem maior. Mas não creio que seja o mesmo no Brasil.
Na Europa, as televisões fechadas e abertas começaram a investir no cinema e, ali, há uma possibilidade de fazer filmes menores, mais intimistas, que precisam menos desse chamado público que vai ao cinema. Vejo isso acontecer e é algo que desejo muito.

Folha - O sr. se refere à participação das TVs européias no financiamento da produção cinematográfica. O vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho, publicou na Folha artigo intitulado "A TV não é o problema", em que avalia o projeto do Ministério da Cultura de criar a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual). Onde está o problema do financiamento do cinema brasileiro?
Filho -
Eu vejo isso tão longe, que acho que não seja para a minha geração. É o problema do achatamento salarial. Somos terceiro mundo. Pertenci a uma época em que produzíamos filmes com nosso dinheiro, e esse dinheiro voltava. "O Casal" [1975] foi um filme que produzi com meu dinheiro. Eu, Roberto Farias e Tarcísio Meira o produzimos.

Folha - Quanto custou?
Filho
Não me lembro. Tenho 25% do filme. A mim custou um Karman Ghia que vendi e meu trabalho. Foi o que dei. Realmente, o problema não está na TV. Está em como podemos produzir algo que se pague. Quando fui fazer televisão independente, vi que certos produtos não podia fazer.
Quando quis vender [a série] "Confissões de Adolescente", o que podiam me pagar não cobria o custo do programa. É por isso que você vê o Silvio Santos tentando fazer um tipo de programa, a Bandeirantes fazendo outro, e a maioria fazendo programa de entrevista, porque fica barato.
Como a Globo é a dona do mercado, pela competência e pelo investimento dela, lá o patrocínio cobre o preço do programa. Mas como são eles que fazem, você fica fora, sem saber o que fazer.

Folha - É uma incongruência o país que tem a Globo, uma das maiores empresas de produção audiovisual do mundo...
Filho -
(Interrompendo) Já foi mais forte. Pelo que vejo nas listas dos caras, caiu algumas posições. Mas continua sendo forte.

Folha - Uma grande empresa?
Filho -
Isso! Das mais fortes do mundo é um pouco forte demais.

Folha - Pois bem, o país possui uma grande empresa de produção audiovisual e um cinema subindustrial. É incongruente?
Filho -
Exatamente. Temos a TV Globo, com um audiovisual muito forte. Temos as outras muito incompetentes, porque, durante o período que a TV Globo se formou, as outras poderiam ter se formado também. Mas algum problema houve nas suas administrações ou nos seus processos de investimento ou no governo, quando deu as concessões.
Desde que existo na televisão, já vi sumir a TV Tupi, a TV Rio, a TV Manchete, a verdadeira TV Record, a Excelsior, que já foi muito mais forte do que a Globo. Sumiram. Não existem. O que houve? Onde houve o erro?
Vi os desmandos na TV Excelsior. Vi os desmandos nas associadas. Vi o desinteresse nas outras estações. Ou interesses paralelos nas outras estações. E vi, na TV Globo, o dr. Roberto Marinho não enfiando a mão no dinheiro que entrava e reinvestindo no próprio produto. Então ela começou a crescer e se tornou possivelmente a única estação realmente profissional do país.
Isso para mim é uma alegria? Não. Para mim é uma tristeza. Como você está num campo em que, graças a Deus, há uma concorrência maior, você pode sair de um jornal para outro, ganhando mais. Nós: [só temos a] TV Globo. Ou vamos fazer dois meses de uma novelinha rápida ali.
A TV fechada, também por um erro de estratégia, foi feita de uma forma que só no Brasil não teve tantos assinantes como tem nos outros países. Então, nem na TV fechada a gente pode se dedicar a fazer um programa com mais dinheiro. É essa a história.

Folha - Comenta-se no mercado que a Globo Filmes tem dívida de R$ 47 milhões com a Globo e vive um impasse, por não conseguir se tornar lucrativa. O sr. não está na testa da Globo Filmes porque a Globo Filmes não é um bom negócio?
Filho -
Vamos devagar. Qual é a sua tese?

Folha - A Globo Filmes não é um bom negócio.
Filho -
Nunca ouvi isso. E que a Globo deve R$ 47 milhões à TV Globo? Isto tenho certeza de que é total inverdade. A Globo Filmes não deve um centavo à TV Globo, mesmo porque a Globo Filmes é a TV Globo, mas ela retorna o dinheiro. A Globo, algumas vezes, patrocina uns filmes que não se pagam e depois puxa o dinheiro da bilheteria.
[A reportagem refez a pergunta para a Central Globo de Comunicação, que respondeu: "A Globo Filmes não recupera os investimentos de mídia que faz (até hoje R$ 45 milhões, e não R$ 47 milhões, como mencionado), mas este valor não é considerado uma dívida, uma vez que seu papel é estratégico e, desde seu lançamento, em 1997, seu objetivo é fomentar a indústria audiovisual. Quanto a faturamento, este ano teremos a nossa melhor receita e, pela primeira vez, cobriremos os custos que temos, excluindo os investimentos em mídia.]

Folha - Por que o sr. não está na testa da Globo Filmes?
Filho -
Não sei. Os diretores da Globo é que têm que responder isso. Não tenho a menor idéia.

Folha - Como diretor artístico da Globo Filmes o sr. prefere descobrir novos talentos ou aglutinar talentos já comprovados?
Filho -
Quando chamei Fernando Meirelles ["Cidade de Deus"], ele não era talento comprovado.

Folha - Só na publicidade.
Filho -
Só na publicidade. O que não quer dizer nada, porque Flavia Moraes é a melhor e a mais bem paga da publicidade.

Folha - E "Acquaria" não é um bom filme. É o que está dizendo?
Filho
Estou dizendo que "Acquaria" foi mal. Não vi, mas soube que é um mal filme, apesar de achar que vale a tentativa.

Folha - É diversa a produção dos diretores oriundos da TV: Guel Arraes ("Lisbela e o Prisioneiro"), Jorge Furtado ("O Homem que Copiava"), Luiz Fernando Carvalho ("Lavoura Arcaica"), Jayme Monjardim ("Olga"). Nesse arco, o sr. aprecia tudo? Gosta de "Lavoura Arcaica"?
Filho -
A média é ótima. O que vale é a média. Na minha vida, na tua vida, o que vale é a média. Você não pode ser julgado apenas por um ato nem pode se deixar abater por um ato que tenha feito.
Não tenho mais nada a provar. Tudo meu já está provado. Vocês me conhecem. Já viram o que fiz de bom, de ruim, de excelente, de delicado, de grosseiro. Sou isso.

Folha - O descompromisso de não querer provar mais nada substitui o pedido-confissão-biográfica "Antes que me Esqueçam"?
Filho -
"Antes que me Esqueçam" continua. Serei esquecido, sem dúvida nenhuma, como todos os artistas brasileiros. Tem um momento na vida que você tem que relaxar e curtir. Já corri o que tinha que correr. Não quer dizer que eu tenha encerrado, mas agora corro mais tranqüilo.


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