São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2004

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MERCADO EDITORIAL

Autor do "épico" brasileiro, Orlando Paes Filho provoca batalha ao trocar de editora

Lutas de "Angus" vão dos livros à Justiça

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não só em cidades escocesas como Nortúmbria, Mércia e Cair Gloui, no século 9 e subseqüentes, se desenrolam as batalhas do guerreiro Angus MacLachlan e seus descendentes.
O universo da série de livros "Angus" está deixando de lado espadas e machados, vikings e cruzados, Bizâncio e Constantinopla para uma disputa no Tribunal de Justiça de São Paulo. De um lado do cabo-de-guerra está uma das empresas mais poderosas do cenário livreiro-editorial brasileiro, o grupo Siciliano; do outro, o pai de "Angus", Orlando Paes Filho.
Esta história não começa na Idade Média, onde se passam boa parte das aventuras imaginadas pelo escritor e publicitário paulistano, mas recua pelo menos até o final dos anos 70.
Paes Filho, 41, diz que começou a criar a sua saga medieval em 1977, na sua adolescência. Em 2002 assinou contrato com a Siciliano e, em maio do ano passado, depois de 25 anos de trabalho, "Angus" chegou às livrarias de todo o país em "épicos" 20 mil exemplares iniciais.
De lá para cá, afirma o escritor de "Angus", seu "relacionamento com a editora só se deteriorou". Até que o autor "rompeu" com a Siciliano no início de 2004. Nas últimas semanas, a história viveu novas cruzadas.
A série que Paes Filho desenhou para ter sete volumes, com um pano de fundo cronológico que começa no século 9 e vai até o ano 2020, voltou às livrarias com o trabalho inicialmente previsto para ser o terceiro da coleção.
"Angus - O Guerreiro de Deus" não chegou ao mercado com o escudo do selo Arxjovem (do grupo Siciliano), que fora estampado em "Angus - O Primeiro Guerreiro". O livro, ainda na gôndola de lançamento das livrarias, foi publicado pela editora Planeta, subsidiária brasileira do grupo de mesmo nome, que comprou os direitos da série para América Latina e Espanha.
E o segundo romance da série? Está prontinho, mas só pode ser visto ou no escritório de Paes Filho ou em alguma pasta da 8ª Vara Cível de São Paulo, onde foi depositado em juízo.
Paes Filho e seu advogado, Manoel Ignácio Torres Monteiro, alegam que o contrato com a Siciliano relativo ao livro dois de "Angus" não poderia ser cumprido por ter a editora rompido diversas de suas cláusulas.
Paes Filho diz que entre as cláusulas importantes que teriam deixado de ser cumpridas, a principal seria o atraso da Sicilano na entrega de um plano de marketing para a coleção.
A editora-geral da Siciliano, Ana Emília de Oliveira Silva, contesta a afirmação do criador de "Angus". "Fizemos insistentes pedidos para que o autor cumprisse as disposições contratuais e nos entregasse os originais do livro nos prazos; e, como isso não foi feito, essa atitude nos impediu de detalhar a campanha publicitária. Queremos ressaltar que o plano de marketing já estava definido no contrato", afirma, por escrito, à Folha, a editora.
Na opinião dela, razões financeiras -e não descumprimento de contrato- explicariam a decisão de Paes Filho de mudar de "casa". "Como a nova editora possui uma filial no Brasil, tornaria viável o projeto de lançar a obra internacionalmente."
Em entrevistas à Folha, Paes Filho nega que sua decisão tenha objetivos financeiros. Uma de suas críticas principais ao grupo Siciliano é a do uso do selo Arxjovem -e não do selo "adulto" do grupo, Arx- para "Angus - O Primeiro Guerreiro".
Segundo o autor, o uso do selo buscaria "pegar carona" em fenômenos como "Harry Potter". "Minha obra não é profunda, de grande mérito literário, mas não é infantil. Tem muita violência no conteúdo. Prefiro perder dinheiro a vender "Angus" para crianças. Se fosse pelo dinheiro, não criaria um épico, investiria na Bolsa."
Ana Emília, da Siciliano, afirma que a escolha do selo "se deu conjuntamente pelo autor e editor quando da contratação da obra". Ela sustenta que a "a obra teve um sucesso retumbante com os jovens". De acordo com a empresa, o primeiro volume teria vendido de maio de 2003 até hoje 36 mil cópias (quantidade que põe o livro em listas de mais vendidos).
No momento das primeiras conversas da Folha com o autor, seu advogado e Siciliano, na semana passada, a versão de "Angus" editada pela Planeta estava exposta com destaque em diversas livrarias visitadas pela reportagem, mas não estava disponível em lojas Siciliano nem em seu site. Sem falar em números, a Planeta disse à Folha que os pedidos da rede, uma das maiores do país, eram "abaixo do esperado".
Nesta semana, lojas da Siciliano, e não sua "matriz", como é costume, passaram a fazer encomendas da versão da Planeta e o livro começou a ser vendido também pela Siciliano virtual. "Fico triste que a Siciliano tenha mudado de idéia. Isso mostra que os valores são menos importantes para eles do que o dinheiro. Preferia um adversário mais digno", diz, com vocabulário "Angus", Paes Filho.


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