São Paulo, sexta-feira, 30 de setembro de 2005

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"AMOR PARA SEMPRE"

Thriller psicológico dá cor e forma às indagações de Ian McEwan

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

"I've never seen such a terrible thing as that falling man" (eu nunca tinha visto nada tão terrível quanto aquele homem caindo). As palavras encerram um dos mais exasperantes capítulos iniciais da literatura contemporânea -a abertura de "Amor para Sempre" (ed. Rocco, 1997), livro do britânico Ian McEwan.
O tal "homem caindo" é o desfecho de um desastre com um balão. Nos arredores de Oxford, um grupo de homens tenta impedir que um balão desgovernado leve para as alturas seu único tripulante, um indefeso garoto.
Por alguns instantes, tem-se a impressão de que o resgate será eficiente, afinal, todos os homens estão agarrados à cesta e conseguem manter o balão próximo ao solo. Até que um deles se solta, o balão repentinamente ganha altura, e a maioria dos outros homens é também obrigada a largá-lo.
Num átimo, o altruísmo dá lugar ao instinto de sobrevivência. Menos para um deles, que permanece pendurado enquanto o balão sobe cada vez mais alto, até que sua mão, desgastada pelo esforço, solta a corda e ele se deixa cair para a morte certa.
O que poderia ser uma fábula sobre os limites da bondade humana ou um estudo sociológico sobre um grupo de homens numa situação-limite dá lugar a um thriller psicológico quando um dos homens que soltou o balão se vê obcecado por outro do grupo.
Sofrendo de uma rara síndrome psiquiátrica, Jed crê que a tragédia é um sinal que o vincula a Joe, um professor universitário casado que passa a viver atormentado pela culpa por não ter controlado o balão e evitado a morte do homem que permaneceu firme na tentativa de salvar o menino.
"Amor para Sempre", o filme, é fiel ao livro no que diz respeito à história de perseguição que se segue. Jed passa a andar no encalço de Joe. O assédio é tão grande que este passa a realmente duvidar sobre o amor que sente pela mulher e o que é a obsessão que Jed sente por ele. Chega a achar que o acidente com o balão talvez tivesse mesmo um significado transcedental em sua vida.
Costuma ser uma obviedade dizer que os livros são melhores que suas adaptações para as telas. No caso de "Amor para Sempre" não é diferente. Mas o que faz deste um bom filme é justamente o fato de que o diretor não tentou competir com o talento literário de McEwan, o mais brilhante escritor inglês hoje (autor de "Amsterdã", "Reparação" e outros).
No romance, o foco do autor está no questionamento sobre o quão tênue é o limite, dentro de um relacionamento amoroso, entre o que cada um dos amantes realmente é e a projeção que um faz do outro e daquilo que sente.
Já o diretor Roger Michell apostou naquilo que o cinema poderia acrescentar à obra. O episódio do balão, por exemplo, é bem reproduzido por não seguir uma óbvia linearidade, mas adotando uma narrativa caótica, refletindo uma mente confusa por uma situação de pânico.
E, se no livro a perseguição alimenta indagações psíquicas sobre o amor e o inexorável dentro de uma narrativa cheia de divagações filosóficas, o filme ganha ao empacotar tudo isso numa bem estruturada trama de suspense.


Amor para Sempre
Enduring Love
   
Direção: Roger Michell
Produção: Inglaterra, 2005
Com: Daniel Craig, Rhys Ifans, Samantha Morton
Quando: a partir de hoje no Cinesesc, Reserva Cultural e HSBC Belas Artes


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