São Paulo, sábado, 30 de setembro de 2006

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Livros

Caderno inédito traz esboços de Debret no Brasil

"Caderno de Viagem" apresenta edição fac-similar de documento que está na Biblioteca Nacional da França

Exposição vai confrontar 29 aquarelas do acervo do museu Chácara do Céu, no Rio, com 19 fac-símiles do "Caderno", a partir de 19/10


MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

O mercado editorial tem uma boa notícia para a memória de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), o artista que criou o imaginário do Brasil oitocentista.
Depois de freqüentar as páginas policiais nos últimos meses -42 gravuras suas foram furtadas da Biblioteca Mário de Andrade recentemente e 87 do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro em junho-, seu nome agora pode ser associado a um belo lançamento de aquarelas e desenhos inéditos no Brasil.
"Caderno de Viagem" é uma edição fac-similar, na íntegra, de um caderno de 66 páginas que se encontra depositado na Biblioteca Nacional da França desde 1901, quando foi comprado de um antiquário. A maior parte de suas figuras são esboços feitos nas ruas do Rio de Janeiro por volta de 1820, e antecipam as imagens de "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil", publicado por Debret depois de seu regresso à França.
"Esse caderno é inédito e praticamente desconhecido", afirma Julio Bandeira, 49, jornalista e doutor em história da arte pela Universidade de Essex (Reino Unido), organizador da edição. Ele notou uma citação à obra em "Brésil, Épopée Métisse", livro de Mario Carelli (1952-1994), de 1987, e a partir daí foi em busca da obra.
Para Bandeira, "os esboços têm autenticidade pelo seu lado direto, foram feitos nas calçadas. São o equivalente ao diapositivo de um fotógrafo, uma primeira impressão, de uma pureza que vai se diluindo."
Bandeira acredita que ainda existam na França muitos trabalhos desconhecidos, além dos mil estimados em que Debret registra sua passagem por aqui, de 1816 a 1831. "Infelizmente ainda não existe o projeto de um catálogo raisonné do artista", diz.

Exposição
O próprio Bandeira é curador de uma exposição que abre no dia 19 de outubro, no museu Chácara do Céu, no Rio. Ela vai confrontar 29 aquarelas do acervo da instituição com 19 fac-símiles do "Caderno".
É mais uma oportunidade para a redescoberta de um artista fundamental para o país. "Debret consolida uma certa tradição da literatura de viagem e é responsável pela construção dos tipos sociais dos primeiros anos do romance", diz Jean Marcel Carvalho França, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Como o crítico de arte Rodrigo Naves coloca em "A Forma Difícil" (Ática), "Debret permite cotejar certas implicações entre arte e sociedade" no Brasil. Em primeiro lugar, pelas transformações por que passa sua obra, desde o neoclassicismo na França até as características ambíguas (e quase opostas ao estilo francês) de suas aquarelas e gravuras brasileiras.
Segundo o crítico, as suas obras no Brasil são caracterizadas por relações formais frágeis e contornos pouco marcados e definidos. "O resultado de sua procura", diz Naves, "revela o quanto a sociedade brasileira tornava difícil o surgimento de uma produção visual incisiva e intensa" no país -fato que ainda marca as artes plásticas por aqui, arremata.
A diferença fundamental dessa nova sociedade em que passa a viver Debret, para Naves, era a escravidão. Como o ensaísta Roberto Schwarz havia feito para a forma do romance machadiano -que encontrava relação com a forma da sociedade brasileira no século 19- Naves diz que Debret teve o mérito de descobrir essas "formas fora do lugar".
"A existência da escravidão impedia de vez qualquer tentativa de transpor como verdade a forma neoclássica para o Brasil", observa ele.


Colaborou RAFAEL CARIELLO, da Reportagem Local

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