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crítica
Obra exibe o "neoclassicismo despedaçado"
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A trajetória de Napoleão Bonaparte tem
relação intrínseca
com a gênese do Brasil imperial. Suas vitórias determinaram a vinda da família real
portuguesa; sua derrota, ao
jogar no ostracismo o grupo
de artistas que o serviam,
viabilizou a organização da
chamada Missão Francesa. O
primeiro movimento daria
os contornos políticos do
Brasil no século 19; o segundo, influenciaria as artes
plásticas nacionais.
Jean-Baptiste Debret, que
registrara a expansão napoleônica em obras de encomenda, era o mais ilustre dos
mais de 40 franceses que
chegaram ao Rio de Janeiro
em março de 1816. Nos 15
anos de permanência no
Brasil, Debret retrataria a vida cotidiana da capital, tornando-se, com a publicação
dos três volumes de "Viagem
Pitoresca e Histórica ao Brasil", a principal referência
iconográfica do período.
Essa reputação pode ser
agora revisada com a edição
do "Caderno de Viagem". A
obra oferece complemento e
contraponto ao trabalho
mais conhecido do pintor.
Muitas imagens são apenas esboços, rascunhos de
pinturas que, na década seguinte, Debret reuniria em
"Viagem Pitoresca". Anotações dessa natureza têm interesse restrito, valem mais
por revelar o processo de
criação do artista. O que realmente chama a atenção são
as imagens que, resultado
das primeiras impressões,
destoam das versões definitivas que o consagraram.
Da revisão de Debret
emerge um artista com uma
faceta menos acadêmica e
convencional, tão típica da
pintura neoclássica em que
ele se formou. A intensidade
dos desenhos surge de um
"neoclassicismo despedaçado", na expressão justa de
Julio Bandeira. Em parte, o
resultado pode ser atribuído
à própria técnica da aquarela, cuja rapidez e espontaneidade "carregam de autenticidade a imagem", observa
Bandeira na apresentação.
O contraste entre as aquarelas do "Caderno" e as litogravuras de "Viagem Pitoresca" indica como o filtro do
pintor por vezes suavizava a
realidade. O francês veio ao
Brasil para ajudar a formar
uma geração de artistas, parte do projeto de d. João 6º de
europeizar o Brasil. Deixou
sua marca, mas levou outras
consigo. A principal delas
talvez tenha sido o impacto
visual de uma luz que ele,
perto dos 50 anos, desconhecia. "A luminescência bruta
dos trópicos irá partir os sentidos de Debret", escreve
Bandeira. É a partir da fusão
desse elemento desagregador e da observação social
que o artista se aproxima do
romantismo. "Ao mostrar a
nudez da escravatura, ele se
aproximava da violência e da
loucura de uma realidade
que as elites prefeririam não
ver", diz Bandeira.
"Caderno de Viagem", embora modesto em seu desígnio, eleva a estatura de Debret. Não só como artista que
se redescobriu na maturidade, mas sobretudo como executor de um projeto etnográfico e sociológico que ajuda a
visualizar e entender o Brasil
do século 19.
OSCAR PILAGALLO é jornalista, editor da
revista "EntreLivros" e autor de "A História
do Brasil no Século 20" (Publifolha)
CADERNO DE VIAGEM
Autor: Jean-Baptiste Debret
Editora: Sextante Artes
Quanto: R$ 29,90 (96 págs.)
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