São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

Julia Moraes/Folha Imagem
Rotina de pai O empresário dá o almoço a Henrique: beterraba, arroz e carne moída

Paulo Borges é o mais novo "pai solteiro" da praça: há dois meses, ele adotou Henrique, 2; à coluna, o diretor da São Paulo Fashion Week descreve as alegrias e aflições da adoção, e diz que o fato de ser sozinho, e homossexual, "nem chegou a ser assunto" tratado com o juiz

fashion baby

"Ai, ai, ai! Ai, ai, ai! Ai que eu vou fazer coceguinha! Quer que eu tire foto, é? Qué! Qué! Dá a mão! Dá a mão prá passar creme!". Paulo Borges, o "poderoso diretor da São Paulo Fashion Week", como é conhecido, chefe rígido e coordenador do maior evento de moda do país - em que administra os egos de centenas de estilistas, modelos, empresários, jornalistas -, não consegue fazer o pequeno Henrique, 2, parar quieto para trocar fralda. "Ui! Bateu o coco? Coco! Não bateu o coco! Dá a mão "pro" papai! Papai!".

 

Aos 45 anos, solteiro -ele está separado do companheiro há dois anos -, Borges adotou Henrique há dois meses, em Salvador, na Bahia. "Tem pelo menos cinco, seis anos que eu pensava em adotar. Bem lá atrás, eu achava que não deveria ter filhos. Depois, comecei a mudar. Comecei a freqüentar a Bahia, a ver tanta criança negra, que eu adoro, e que poderia ser adotada. No interior, tem criança que nasce e as mães vão dando. Aí botei na cabeça que adotaria filhos negros, e na Bahia, porque eu adoro a raça africana, a descendência afro-baiana. "Tá" vendo aquele bonequinho [aponta para a estante da sala]? É um personagem africano chamado Kiriku [de um desenho animado]. Ganhei da [diretora] Daniela Thomas e tem a ver com essa minha vontade."
 

Borges e Henrique formam uma família rara: o empresário é solteiro. Só nove homens nesta condição adotaram crianças em todo o Estado de SP em 2005, ano em que foram efetivadas mais de 3.000 adoções (em Salvador, são em média quatro homens solteiros a cada cem adoções). A estrutura que Borges providenciou para cuidar do filho é razoável: com ele trabalham uma governanta, uma babá e um motorista, que leva o garoto para passear.
 

Outra singularidade: Borges adotou um garoto, negro, de dois anos. "Temos em Salvador 89 crianças esperando por adoção. E 220 pessoas inscritas para adotar. E por que não adotam? Porque a quase totalidade quer menina, semelhante à sua cor [a maior parte, clara] e recém-nascida", diz o juiz de menores Salomão Rezedá, que autorizou a adoção de Henrique por Borges. As crianças que já são grandinhas, e que não tiveram a sorte de Henrique, ficam em abrigos. Boa parte delas acaba saindo do Brasil, adotadas por estrangeiros.
 

Ao desembarcar em São Paulo com o garoto nos braços, o empresário passou a ser alvo de bateladas de perguntas. "As pessoas ficam surpresas de eu já estar com a criança, de ela ser simpática, brincalhona. A maioria quer saber como consegui, se a fila de adoção é grande, se é difícil. E eu digo que é muito fácil e simples. As pessoas, com suas exigências, é que formam as filas, e não o sistema", diz Borges.
 

Ele afirma que passou dois meses em Salvador até apresentar documentos, encontrar Henrique e finalizar a adoção. Além da burocracia, são feitas reuniões com o juiz, a psicóloga e a assistente social. Surpresa: nada foi perguntado sobre o fato de Borges ser homossexual. "Isso nem chegou a ser assunto. Eles querem saber é se você tem estrutura, se não estão entregando a criança para um maluco". O juiz quis saber apenas "o que eu diria quando o Henrique perguntasse por que não tem mãe. Respondi que achava natural. As famílias hoje têm mãe sem marido, pais sem mulheres, homens com homens, mulheres com mulheres".
 

Chegou então o dia de visitar Henrique no abrigo em Salvador. Uma assistente do juizado, Lucy, acompanhou Borges. "Agora você respira fundo e abre o seu coração. Pense e reflita. Você vai ter contato com outras crianças. Você pode adotar qualquer outra, não é obrigado a adotá-lo [referindo-se a Henrique]", disse ela. "Na hora em que eu entrei, eram 30 crianças, elas eram maiores, e todas vieram em cima de mim. Todas têm noção de que você está lá para adotar uma delas. É uma coisa quase primitiva, selvagem. Elas se jogam em você. Elas disputam entre si. Saí de lá arrasado", diz Borges. "Vi uma menina, de 8 anos, que foi adotada e devolvida. Ela estava revoltada. A freira [da instituição] me contou que sempre que uma criança é adotada, as outras ficam deprimidas porque não foram as escolhidas."
 

Henrique foi o único que não se aproximou na primeira visita. "Ele não vinha comigo, ele chorava. Ele não conhecia a figura masculina." A psicóloga explicou ao empresário que "a criança faz de tudo para você rejeitá-la. Ela quer ter a certeza de que você quer mesmo ela". Nas visitas seguintes, Borges ficou sozinho com Henrique numa varanda do abrigo. Foram quinze dias de convivência -no sétimo, o garoto começou a chamá-lo de "pai". No 15º, não quis mais ficar no colo da freira. "Eu era o último obstáculo. Agora pode levar. O filho é teu", disse a religiosa. Em breve, Henrique ganhará um irmão. E depois mais um: Borges diz que vai adotar outros dois filhos nos próximos anos.


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