São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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"O PISTOLEIRO" E "A ESCOLHA DOS TRÊS"

Dois primeiros títulos da série "Torre Negra" chegam hoje às livrarias

King parte da fantasia para traçar jornada

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA

A travessia é o mais importante. No final do arco-íris, há um pote de ouro, o Santo Graal, a Conhecimento, a Vida Eterna. Mas é preciso chegar lá, superar as intempéries, enfrentar inimigos, vencer os próprios demônios. A história da humanidade está cravejada dessas jornadas.
O mestre do horror e do suspense também foi beber no caldeirão de Dante, Homero e Tolkien -especialmente este último- para criar seu épico de proporções mastodônticas. É "A Torre Negra", um conjunto de sete livros escritos por Stephen King ao longo de mais de 30 anos, que finalmente começa a chegar ao leitor brasileiro. Hoje, estarão nas prateleiras os dois primeiros livros da série, "O Pistoleiro" e A Escolha dos Três".
O Quixote de King é um pistoleiro, Roland, que está em busca da tal torre, que nem ele parece saber direito o que é. Trata-se do eixo, ponto de equilíbrio e de sustentação dos mundos, e que estaria ameaçado de ficar sob o jugo do mal. Enfim, o leitor não precisa se preocupar muito com ela, o importante mesmo são as aventuras.
Porque a série pode ter toda uma justificativa filosófico-literária, ser referenciada em gigantes da prosa e da poesia, mas quem narra é Stephen King, e a mortandade se conta às mancheias. Num ponto, por exemplo, Roland detona uma cidade inteira, mata a tiros um por um e sai a passo, tranqüilo como água de poço.
As metáforas e comparações, uma das marcas registradas de King, estão por toda a parte. Por exemplo, uma mulher canta e se cala, "deixando as fraturas da última nota sangrando alto no ar". Outras características dos textos de King, como a excessiva recorrência ao itálico -para indicar lembranças ou conversas interiores- e às maiúsculas, também dizem presente.
Apesar disso, a série "A Torre Negra" pode causar um certo estranhamento no Leitor Fiel (com maiúsculas, como o autor gosta de se referir ao seu público). Seus melhores trabalhos, como "Cemitério de Animais" e "O Iluminado", partem de medos que todos temos ou podemos vir a ter e os exagera, perverte, transforma em monstruosidades. Aqui, a base parece ser nada, é pura fantasia, a lógica foge, e o leitor mergulha num labirinto de espaço e tempo, memórias e histórias paralelas.
"Percebi que o que eu queria escrever era uma história com o senso de busca e a magia de Tolkien, mas ambientada no quase absurdamente majestoso cenário de faroeste de Leone (Sergio Leone, diretor de "Três Homens em Conflito", uma das inspirações para "A Torre Negra')", diz King na introdução a "O Pistoleiro".
Isso foi lá em 1970, quando King tinha 22 anos e escreveu as primeiras linhas de seu romance monumental, que soma cerca de 4.000 páginas. Só 12 anos mais tarde, com o autor já muito famoso -tinham sido publicados, por exemplo, "Carrie" e "O Iluminado"-, o primeiro volume veio a público, iniciando a história da série, que hoje tem fãs espalhados pelo mundo todo.
E "O Pistoleiro" bem que precisava da fama de seu autor. Revisando o trabalho, King admite que o texto "tinha todos os problemas do livro de um homem muito jovem, continha uma grande quantidade de lapsos e falsos pontos de partida".
Ele é modesto na sua autocrítica. O ponto de partida de "A Torre Negra" é chato de dar dó. Apesar da enorme quantidade de mortos pelo caminho, que parecem indicar alguma ação, a história transcorre em tom monocórdio, contada aqui a partir do "tempo presente" do personagem, ali em seguida em "flashback". Depois volta ao presente e, na seqüência, um passeio por outro "quando".
A função do livro é lançar as bases que justifiquem a jornada, e isso vai sendo feito no estilo de King, referenciando-se na cultura pop, na literatura, na memória da humanidade. Mas ficar parafraseando o Gênesis, do Antigo Testamento, é abusar das referências.
De qualquer forma, cumpre seu objetivo ainda que aos soluços. Não consegue, talvez, prender, cativar o leitor acostumado ao jeito King de contar histórias, mas lança as bases para a segunda etapa.
Esta, sim, vale a pena. "A Escolha dos Três" poderia ser o verdadeiro início da jornada de Roland Deschain de Gilead. É tão bacana quanto "Os 12 Condenados", "Onze Homens e um Segredo" ou "Cowboys do Espaço", histórias em que a seleção da equipe rivaliza em importância com a própria missão a qual serão chamados.
Apesar de continuar na fantasia, agora a história tem um ritmo, que prende o leitor, Johnny Cash e Beatles, lutas contra o racismo e psicologia de botequim.
Enfim, há ação, a jornada avança. E aí dá para entender por que "A Torre Negra" tem legiões de leitores fanáticos e inspira sites, que se preocupam em criar linhas de tempo e identificar personagens e contradições da série.
Quem preferir pode comprar e ir direto para o segundo volume -cada um da série, por sinal, é uma história que pode ser lida separadamente. Antes do início, um texto de duas páginas resume o argumento e apresenta os personagens principais e suas missões.
Mas, apesar da qualidade inferior de "O Prisioneiro", o primeiro volume tem valor especial por causa da introdução e do prefácio, em que King lança luzes sobre seu trabalho com um estilo agradável, de conversa com o leitor.
Mais, de satisfação por ter, enfim, cumprido uma tarefa de uma vida toda. É que, exatamente quando chegam ao Brasil os primeiros volumes da série, nos Estados Unidos aportaram os dois últimos. Neste ano, saíram o sexto e o sétimo volumes, e King deu por encerrado seu épico.


O Pistoleiro
 
Autor: Stephen King
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 31,90 (224 págs.)

A Escolha dos Três
    
Autor: Stephen King
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 49,90 (416 págs.)



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