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"NO CORAÇÃO DA ÁFRICA"
Livro reconstrói ambiente de explorações
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Doutor Livingstone, eu
presumo", talvez seja a
mais famosa frase da história do
jornalismo, embora ela nunca tenha provavelmente sido dita.
Uma das revelações fascinantes
do livro "No Coração da África" é
que Henry Morton Stanley, o jornalista americano que a teria pronunciado após ter passado anos à
procura do explorador inglês David Livingstone, não registrou em
lugar nenhum a célebre e fleumática indagação que teria feito ao finalmente encontrá-lo. A não ser
nas suas matérias publicadas.
Ninguém testemunhou tê-la ouvido.
A página do diário de Stanley
relativa ao momento mais importante de sua vida profissional foi
arrancada. Ou por algum colecionador fanático ou, sugere Martin
Dugard, o autor de "No Coração
da África", pelo próprio Stanley
para ocultar o fato de que, afinal,
ele não havia pronunciado a histórica pergunta.
"Isso se ajustaria ao seu caráter", afirma Dugard. Stanley pode
ter inventado a citação enquanto
escrevia suas reportagens para o
"New York Herald" para dar ainda mais charme e sensação às suas
já suficientemente sensacionais e
charmosas descrições.
A sentença o tornou uma autêntica celebridade mundial na segunda metade do século 19.
Transformou-se em saudação entre missionários europeus quando se encontravam na África. Sintetizou o gênero de jornalismo de
aventuras que o próprio Stanley
havia ajudado a definir em suas
coberturas da Guerra Civil americana, dos combates entre o Exército e os indígenas no Oeste dos
EUA, da invasão britânica da
Abissínia e, finalmente, da expedição africana de Livingstone e,
posteriormente, de suas próprias
missões ao continente.
O gênero avançou muito neste
quase século e meio posterior.
Deixou de lado as dúvidas de credibilidade que quase o desmoralizaram no nascedouro e nos anos
imediatamente seguintes, que
quase o tornaram sinônimo de leviandade.
Atualmente, prospera em especial na televisão por assinatura,
em canais como "Discovery",
"History" e "National Geographic" mas também em revistas e
livros. Pode não ser motivo para
aumentos espetaculares de tiragem e audiência, como os obtidos
pelos donos do "Herald" graças às
histórias de Stanley, mas mantém
um público grande e fiel, especialmente entre os mais jovens.
Dugard faz um excelente trabalho na sua biografia dupla (de Livingstone e Stanley). Ele escreve
com fluência, entusiasmo, picardia similares à do seu biografado.
Consegue reconstruir o ambiente
que cercou a grande época das explorações. Havia um frenesi público em torno das descobertas
que transformavam pessoas como Stanley, Livingstone, Richard
Burton e outros em autênticas celebridades.
As emoções eram tamanhas que
levavam até a suicídios de quem
se sentisse desprestigiado por
uma descoberta que se provasse
falsa. E Dugard transmite ao leitor
esses sentimentos.
Se não chega a ser a obra definitiva nem sobre os dois personagens principais nem sobre a história das explorações africanas, este
é um livro que se lê com prazer,
que acrescenta informações aos
que só conhecem Livingstone e
Stanley superficialmente e que faz
pensar sobre como se deu esse
momento específico das incursões dos brancos na África.
Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
No Coração da África
Autor: Martin Dugard
Editora: Record
Quanto: R$ 49,90 (434 págs.)
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