São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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"NO CORAÇÃO DA ÁFRICA"

Livro reconstrói ambiente de explorações

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Doutor Livingstone, eu presumo", talvez seja a mais famosa frase da história do jornalismo, embora ela nunca tenha provavelmente sido dita.
Uma das revelações fascinantes do livro "No Coração da África" é que Henry Morton Stanley, o jornalista americano que a teria pronunciado após ter passado anos à procura do explorador inglês David Livingstone, não registrou em lugar nenhum a célebre e fleumática indagação que teria feito ao finalmente encontrá-lo. A não ser nas suas matérias publicadas. Ninguém testemunhou tê-la ouvido.
A página do diário de Stanley relativa ao momento mais importante de sua vida profissional foi arrancada. Ou por algum colecionador fanático ou, sugere Martin Dugard, o autor de "No Coração da África", pelo próprio Stanley para ocultar o fato de que, afinal, ele não havia pronunciado a histórica pergunta.
"Isso se ajustaria ao seu caráter", afirma Dugard. Stanley pode ter inventado a citação enquanto escrevia suas reportagens para o "New York Herald" para dar ainda mais charme e sensação às suas já suficientemente sensacionais e charmosas descrições.
A sentença o tornou uma autêntica celebridade mundial na segunda metade do século 19. Transformou-se em saudação entre missionários europeus quando se encontravam na África. Sintetizou o gênero de jornalismo de aventuras que o próprio Stanley havia ajudado a definir em suas coberturas da Guerra Civil americana, dos combates entre o Exército e os indígenas no Oeste dos EUA, da invasão britânica da Abissínia e, finalmente, da expedição africana de Livingstone e, posteriormente, de suas próprias missões ao continente.
O gênero avançou muito neste quase século e meio posterior. Deixou de lado as dúvidas de credibilidade que quase o desmoralizaram no nascedouro e nos anos imediatamente seguintes, que quase o tornaram sinônimo de leviandade.
Atualmente, prospera em especial na televisão por assinatura, em canais como "Discovery", "History" e "National Geographic" mas também em revistas e livros. Pode não ser motivo para aumentos espetaculares de tiragem e audiência, como os obtidos pelos donos do "Herald" graças às histórias de Stanley, mas mantém um público grande e fiel, especialmente entre os mais jovens.
Dugard faz um excelente trabalho na sua biografia dupla (de Livingstone e Stanley). Ele escreve com fluência, entusiasmo, picardia similares à do seu biografado. Consegue reconstruir o ambiente que cercou a grande época das explorações. Havia um frenesi público em torno das descobertas que transformavam pessoas como Stanley, Livingstone, Richard Burton e outros em autênticas celebridades.
As emoções eram tamanhas que levavam até a suicídios de quem se sentisse desprestigiado por uma descoberta que se provasse falsa. E Dugard transmite ao leitor esses sentimentos.
Se não chega a ser a obra definitiva nem sobre os dois personagens principais nem sobre a história das explorações africanas, este é um livro que se lê com prazer, que acrescenta informações aos que só conhecem Livingstone e Stanley superficialmente e que faz pensar sobre como se deu esse momento específico das incursões dos brancos na África.


Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

No Coração da África
  
Autor: Martin Dugard
Editora: Record
Quanto: R$ 49,90 (434 págs.)



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