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33ª MOSTRA DE SP
Evento é vitrine para filmes políticos
Perseguidos nos países de origem ou boicotados pelo circuito tradicional, diretores engajados correm para festivais
Sucesso de Michael Moore ajudou a alimentar onda de documentários que querem denunciar e, ao mesmo tempo, divertir o espectador
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
Para fazer "Hugo Rey e sua
Donzela", Franco de Peña mudou de nome e de aparência.
Filme pronto, foi acusado de
usar o cinema como "arma de
destruição de massas". Na Venezuela, o média-metragem,
antigovernista, foi exibido apenas na TV a cabo. "Eu e outros
cineastas independentes viramos alvo do governo. Não posso voltar para lá", diz Peña, que
vive na Polônia.
O sueco Fredrik Gertten anda na mão inversa. Virou ídolo
no próprio país e "persona non
grata" nos Estados Unidos. Ele
dirigiu "Bananas!", que acompanha um processo contra a
Dole Foods, acusada de matar
lavradores da Nicarágua, por
insistir no uso de pesticidas.
Convidado a apresentar o filme em Los Angeles, Gertten
começou a receber cartas
ameaçadoras. "Os organizadores do festival ficaram assustados com a pressão e tiraram o
filme da competição", conta.
Em seguida, o cineasta foi processado pela Dole. "Solidários,
os suecos deixaram de comprar
produtos da empresa."
Enredos como esses, por
mais que soem como intriga,
são usuais no cinema atual. "É
incrível como quem está no poder se incomoda com certas
produções", diz Tarik Saleh,
também sueco, sócio da produtora que fez um filme sobre
Guantánamo e, agora, "Videocracia", petardo contra o premiê italiano Silvio Berlusconi.
"Há sempre pressão. Se não
fossem os festivais, muitos desses filmes não seriam vistos."
Mesmo na era da internet,
são os eventos cinematográficos independentes que servem
de janela à produção mais engajada. "Os festivais colocam as
pessoas juntas, motivam discussões e têm uma seleção que
ajuda a chamar a atenção para
certos temas. Na blogosfera, os
filmes políticos se perdem", reflete Richard Brouillette, diretor de "O Cerco", sobre a ditadura do neoliberalismo.
Mas qual o sentido dessa produção nesta era de informações
à farta, espalhadas pelos mais
diversos ambientes? "A onda
de filmes políticos surgiu porque a mídia, muitas vezes, está
mais ligada à propaganda e à
alienação do que à informação", opina Brouillette.
A produtora israelense Yael
Parlev, de "Momentos de Jerusalém", diz, inclusive, ter feito
seu filme para se contrapor à
mídia do país. "Os israelenses
só conhecem os palestinos pelo
terrorismo, mas não têm ideia
do que é a vida deles", diz. "Os
palestinos são invisíveis." Sentimento semelhante moveu a
norte-americana radicada na
França N.C. Heikin, que expõe,
em "Kimjomgilia", as prisões
norte-coreanas, espécie de
campos de concentração, e
mostra rituais que o país mantém cerrados. "É uma das situações mais absurdas do planeta
e, ainda assim, pouca gente sabe o que acontece lá", diz.
A onda, de acordo com alguns
realizadores, deriva ainda do
sucesso angariado por Michael
Moore e da repercussão de filmes como "A Corporação".
"Moore mostrou aos donos de
cinema que eles podem fazer
dinheiro com documentários,
que há público", diz Gertten.
O financiamento dessas produções, no entanto, costuma
ter origem nas margens da indústria cultural. Quase todas
são feitas a partir de pré-vendas
para TVs públicas, sobretudo
europeias, e fundos internacionais voltados ao cinema. "Kimjongilia" e "Bananas!", por
exemplo, tiveram o apoio do
instituto Sundance. Viajar pelo
mundo é o objetivo comum.
E se há, ainda, tom de panfleto em alguns títulos, como "Hugo Rey...", a linguagem documental evoluiu e passou a pisar
em terrenos antes restritos à
ficção. "Videocracia" é um dos
que ousa na forma. "O documentário, como gênero, desenvolveu-se muito. Filmes engajados podem ser divertidos, engraçados, emocionantes. Não
precisam ser intelectualizados
ou cheio de informações", define Gertten.
"O cinema é a melhor forma
de transmitir emoções, de
transformar as pessoas. Se conseguimos emocionar as pessoas, aumentamos a indignação, o questionamento."
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