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CRÍTICA ROMANCE
McCarthy investiga esquizofrenia europeia
Ambientado na Inglaterra da Primeira Guerra, "C" acompanha anti-herói com camadas sobrepostas de sentidos
DANIEL BENEVIDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Não é todo dia que se lê
uma história que relaciona
incesto, insetos e telégrafos.
Por causa desse humor levemente surrealista, o inglês
Tom McCarthy vem sendo
comparado a Thomas
Pynchon, Samuel Beckett e
Roberto Bolaño.
Faz sentido. Em "C", seu
terceiro romance, trocadilhos curiosos pontuam a narrativa assim como cenas de
beleza improvável e disfarçadas referências literárias
num jogo constante com o
leitor. Em linhas gerais, é um
clássico "bildungsroman"
(romance de formação).
Mas também poderia ser
descrito como obra conceitual sobre as múltiplas possibilidades da comunicação.
Ou ainda um estudo sobre o
espírito esquizofrênico que
tomou conta da Europa no
começo do século passado,
em que se alternavam a euforia das descobertas e a violência dos conflitos.
O cenário inicial é um idílico condado na Inglaterra,
onde vive Samuel Carrefax,
um inventor obcecado por
ondas eletromagnéticas, que
também ensina crianças surdas a falar. A autodestrutiva
Sophie é sua filha mais velha, um gênio em história natural e química.
Nosso anti-herói, Serge, é
o assistente da irmã em experiências que também incluem brincadeiras sexuais
(não parece à toa que o nome
Serge coincida com o do paciente neurótico de "O Homem dos Lobos", famoso caso descrito por Freud).
Mal saído da adolescência,
Serge é convocado para a Primeira Guerra, onde atua em
missões aéreas de localização das tropas germânicas.
Ao contrário dos colegas,
que sentem medo e morrem
como moscas, ele vê o conflito como experiência estética
e sensorial. Chega a imaginar
seu corpo derretendo e se
misturando à fuselagem colorida do avião e a ouvir, no
som repetido dos tiros, o ritmo da poesia de Friedrich
Hölderlin (impossível não
pensar no J. G. Ballard de
"Crash" e "Império do Sol").
Ao voltar à vida civil, envolve-se com uma atriz e passa a frequentar o "demi-monde" londrino, em que doses
generosas de cocaína e heroína se misturam a sessões de
espiritismo barato e sodomia
misógina, no melhor estilo
"Je T'Aime, Moi Non Plus"
(de mais um Serge, o cineasta
Gainsbourg).
Descrições pouco ortodoxas (os personagens são reconhecidos mais pelos gestos do que pelas feições) e digressões curiosas (sobre a
teoria das cores de Goethe,
por exemplo, ou a captação
de sinais dos mortos) mantêm o leitor intrigado até a sequência final, em que Serge
parte para uma exploração
paródica entre as pirâmides
do Egito.
PEDRA DE ROSETTA
Fechado o livro, fica a impressão de que o "C" é uma literária pedra de Rosetta, com
camadas sobrepostas de signos e sentidos, o que deve
agradar os gregos, mas fazer
com que os troianos -avessos a qualquer sinal de pretensão- torçam o nariz.
O certo é que, desde o primeiro livro ("Remainder", de
2005) McCarthy vem mostrando que está longe de ser
um escritor comum, o que
não é pouco.
C
AUTOR Tom McCarthy
EDITORA Random House
QUANTO R$ 45, em média, na
www.amazon.com (320 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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