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CRÍTICA ROMANCE
Manguel costura política e engano em "Todos os Homens São Mentirosos"
NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Alberto Manguel é um imbecil. Para ele nada é verdadeiro a menos que veja a coisa escrita num livro. Além do
mais, só admite o que quer. A
menor insinuação, o detalhe
mais casual, e ele se lança
atrás de qualquer absurdo.
O parágrafo acima, irritado, pertence a Andrea, uma
das protagonistas do romance "Todos os Homens São
Mentirosos", de Alberto
Manguel, cujo alter ego também participa da trama.
Para a insolente Andrea, o
Manguel da ficção "é um desses que veem uma laranja e
depois lhe garantem que é
um ovo". Nessas poucas afirmações desaforadas está o
eixo do enredo: o princípio
da incerteza que rege as relações humanas.
O romance é formado por
cinco depoimentos sobre a
vida e a morte trágica do argentino Alejandro Bevilacqua, autor de um único livro:
"Elogio de la Mentira".
O jornalista francês Jean-Luc Terradillos, 30 anos após
a morte de Bevilacqua, quer
descobrir a verdade. Mais fácil seria descobrir ouro ou petróleo, pois tudo o que recebe
são versões distorcidas e incompletas. Afinal, está no
"Livro dos Salmos": "Todos
os homens são mentirosos".
O primeiro depoimento,
mais literário, é do Manguel
ficcional. O segundo, de Andrea, a última namorada de
Bevilacqua. As duas declarações seguintes são de Chancho (uma carta) e Gorostiza
(um delírio), envolvidos com
a ditadura militar na Argentina. A fala final é do próprio
jornalista.
METAFICÇÃO
Insinuações e difamações
distantes, soltas no passado
e no futuro, afluem para o
mesmo ponto: Madri em
meados dos anos 70. É na capital espanhola que Bevilacqua vai se exilar, depois das
sessões de tortura na Buenos
Aires dos golpistas.
Ficções sobre livros parecem pedir sempre um pouco
de suspense. Em Madri, após
o lançamento de sua obra-prima, Bevilacqua é encontrado morto. Acidente, suicídio ou assassinato?
Alberto Manguel, semelhante a seu alter ego ficcional, é conhecido por sua paixão pelos livros e pela leitura. Também são dele os excelentes "À Mesa com o Chapeleiro Maluco" e "Uma História da Leitura", entre outros
passeios pelo assunto.
Essa paixão está inteira no
romance, visitando o passado conturbado da América
Latina e costurando literatura, política, intriga e mentira.
Organizando a série de dados e opiniões parciais, acima dos vários "autores", está
o supra-autor coerente e verossímil.
NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira:
Demônios e Maldições" (Língua Geral)
TODOS OS HOMENS SÃO
MENTIROSOS
AUTOR Alberto Manguel
TRADUÇÃO Josely Vianna Baptista
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 42 (184 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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