São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2010

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CRÍTICA ROMANCE

Manguel costura política e engano em "Todos os Homens São Mentirosos"

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alberto Manguel é um imbecil. Para ele nada é verdadeiro a menos que veja a coisa escrita num livro. Além do mais, só admite o que quer. A menor insinuação, o detalhe mais casual, e ele se lança atrás de qualquer absurdo.
O parágrafo acima, irritado, pertence a Andrea, uma das protagonistas do romance "Todos os Homens São Mentirosos", de Alberto Manguel, cujo alter ego também participa da trama.
Para a insolente Andrea, o Manguel da ficção "é um desses que veem uma laranja e depois lhe garantem que é um ovo". Nessas poucas afirmações desaforadas está o eixo do enredo: o princípio da incerteza que rege as relações humanas.
O romance é formado por cinco depoimentos sobre a vida e a morte trágica do argentino Alejandro Bevilacqua, autor de um único livro: "Elogio de la Mentira".
O jornalista francês Jean-Luc Terradillos, 30 anos após a morte de Bevilacqua, quer descobrir a verdade. Mais fácil seria descobrir ouro ou petróleo, pois tudo o que recebe são versões distorcidas e incompletas. Afinal, está no "Livro dos Salmos": "Todos os homens são mentirosos".
O primeiro depoimento, mais literário, é do Manguel ficcional. O segundo, de Andrea, a última namorada de Bevilacqua. As duas declarações seguintes são de Chancho (uma carta) e Gorostiza (um delírio), envolvidos com a ditadura militar na Argentina. A fala final é do próprio jornalista.

METAFICÇÃO
Insinuações e difamações distantes, soltas no passado e no futuro, afluem para o mesmo ponto: Madri em meados dos anos 70. É na capital espanhola que Bevilacqua vai se exilar, depois das sessões de tortura na Buenos Aires dos golpistas.
Ficções sobre livros parecem pedir sempre um pouco de suspense. Em Madri, após o lançamento de sua obra-prima, Bevilacqua é encontrado morto. Acidente, suicídio ou assassinato? Alberto Manguel, semelhante a seu alter ego ficcional, é conhecido por sua paixão pelos livros e pela leitura. Também são dele os excelentes "À Mesa com o Chapeleiro Maluco" e "Uma História da Leitura", entre outros passeios pelo assunto.
Essa paixão está inteira no romance, visitando o passado conturbado da América Latina e costurando literatura, política, intriga e mentira. Organizando a série de dados e opiniões parciais, acima dos vários "autores", está o supra-autor coerente e verossímil.


NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral)

TODOS OS HOMENS SÃO MENTIROSOS

AUTOR Alberto Manguel
TRADUÇÃO Josely Vianna Baptista
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 42 (184 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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