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Devo dar continuidade a Saramago, diz viúva
Pilar Del Río afirma que, em documentário que registra rotina do casal, Nobel pediu a ela que assumisse seu legado
Longa "José & Pilar", de Miguel Gonçalves Mendes, tem estreia prevista para a próxima sexta-feira, dia 5
ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO
Pouco importa se a frase
tem um quê de lugar comum.
Para a jornalista espanhola
Pilar Del Río, viúva do escritor português José Saramago
(1922-2010), a ideia de que
"por trás de todo grande homem, há sempre uma grande
mulher" tem caído como
uma luva.
Após a morte do escritor,
em 18 de junho deste ano,
Del Río não apenas tem feito
jus à frase como assumiu o legado deixado pelo Prêmio
Nobel de literatura.
É essa personalidade que o
documentário "José & Pilar"
-de Miguel Gonçalves Mendes, em cartaz na Mostra de
Cinema de SP e previsto para
estrear no dia 5 de novembro
(leia mais ao lado)- espia. É
sobre isso que Del Rio fala à
Folha na entrevista a seguir.
Por que vocês aceitaram ter
uma câmera a segui-los? O
quanto essa "intrusa" mudou
a rotina do casal?
Pilar Del Río - A câmera
não mudou nossa vida. Decidimos ignorá-la. Além do
mais, ela não estava conosco
durante 24 horas, apenas registrou o dia a dia de um escritor. A virtude do filme é
mostrar que o trabalho do escritor, solitário em sua casa,
não é incompatível com a militância cívica.
O que significa dedicar-se a
um casamento?
Nem Saramago deixou de
fazer seu trabalho por estar
casado com Pilar nem Pilar
deixou de fazer o seu. Éramos maduros o bastante para saber manter nosso próprio espaço. Mas podíamos
dividir muito porque éramos
ambos leitores vorazes, militantes cívicos e políticos, tínhamos um mesmo estilo de
vida. Vivemos uma vida de
generosidade.
O filme nos passa a sensação
de que, às vezes, ele cumpria
compromissos contra a vontade, seguindo agendas que a
senhora tinha feito.
Acho que o filme mostra
que as agendas eram feitas
em comum acordo. E, se alguém punha freios, era eu,
porque ele, com sua curiosidade e generosidade, dizia
sim a tudo sobre o papel. Mas
quando chegava a hora de
cumprir... Muitos encontros
eram penosos.
O filme desfaz a fama de homem difícil e pessimista.
Quem não teve acesso a
Saramago diz que ele era
uma pessoa difícil. Quem
conviveu com ele sabe que
era um homem afável e generoso. Tampouco era pessimista, era um intelectual que
observava o mundo e via que
nós estamos sendo conduzidos ao abismo.
Como têm sido os dias sem
ele?
Tenho um trabalho a fazer,
uma urgência que é maior do
que toda saudade possível.
Saramago, no filme, diz que
eu devo continuá-lo. Dedico
à Fundação Saramago todo o
meu tempo e o meu amor.
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