São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2010

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Devo dar continuidade a Saramago, diz viúva

Pilar Del Río afirma que, em documentário que registra rotina do casal, Nobel pediu a ela que assumisse seu legado

Longa "José & Pilar", de Miguel Gonçalves Mendes, tem estreia prevista para a próxima sexta-feira, dia 5

ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO

Pouco importa se a frase tem um quê de lugar comum. Para a jornalista espanhola Pilar Del Río, viúva do escritor português José Saramago (1922-2010), a ideia de que "por trás de todo grande homem, há sempre uma grande mulher" tem caído como uma luva.
Após a morte do escritor, em 18 de junho deste ano, Del Río não apenas tem feito jus à frase como assumiu o legado deixado pelo Prêmio Nobel de literatura.
É essa personalidade que o documentário "José & Pilar" -de Miguel Gonçalves Mendes, em cartaz na Mostra de Cinema de SP e previsto para estrear no dia 5 de novembro (leia mais ao lado)- espia. É sobre isso que Del Rio fala à Folha na entrevista a seguir.

 

Por que vocês aceitaram ter uma câmera a segui-los? O quanto essa "intrusa" mudou a rotina do casal?
Pilar Del Río
- A câmera não mudou nossa vida. Decidimos ignorá-la. Além do mais, ela não estava conosco durante 24 horas, apenas registrou o dia a dia de um escritor. A virtude do filme é mostrar que o trabalho do escritor, solitário em sua casa, não é incompatível com a militância cívica.

O que significa dedicar-se a um casamento?
Nem Saramago deixou de fazer seu trabalho por estar casado com Pilar nem Pilar deixou de fazer o seu. Éramos maduros o bastante para saber manter nosso próprio espaço. Mas podíamos dividir muito porque éramos ambos leitores vorazes, militantes cívicos e políticos, tínhamos um mesmo estilo de vida. Vivemos uma vida de generosidade.

O filme nos passa a sensação de que, às vezes, ele cumpria compromissos contra a vontade, seguindo agendas que a senhora tinha feito.
Acho que o filme mostra que as agendas eram feitas em comum acordo. E, se alguém punha freios, era eu, porque ele, com sua curiosidade e generosidade, dizia sim a tudo sobre o papel. Mas quando chegava a hora de cumprir... Muitos encontros eram penosos.

O filme desfaz a fama de homem difícil e pessimista.
Quem não teve acesso a Saramago diz que ele era uma pessoa difícil. Quem conviveu com ele sabe que era um homem afável e generoso. Tampouco era pessimista, era um intelectual que observava o mundo e via que nós estamos sendo conduzidos ao abismo.

Como têm sido os dias sem ele?
Tenho um trabalho a fazer, uma urgência que é maior do que toda saudade possível. Saramago, no filme, diz que eu devo continuá-lo. Dedico à Fundação Saramago todo o meu tempo e o meu amor.


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