São Paulo, sexta, 30 de outubro de 1998

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CRÍTICA
CD retoma velho estilo do cantor

do enviado ao Rio

"Eu Sou Todos Nós" surge de um grande desafio. É a volta de Zé Ramalho às canções inéditas após um longo período em que sua obra se manteve obscurecida.
O processo havia começado no despercebido "Cidades & Lendas" (96), que não era mesmo disco dos mais inspirados em sua carreira, embora começasse a afastá-lo dos padrões de diluição e insegurança que o haviam acometido.
Não bastava. E o magnífico projeto revisor "Antologia Acústica" -operado serena e elegantemente por ele e por Robertinho de Recife- prestou-se a veículo de ressurreição de clássicos nordestinos como "Avohai" e "Chão de Giz".
Faltava a Zé comprovar que não era apenas um bom artista aprisionado no passado.
A tarefa é mais que árdua, até porque hoje Zé é mais do que nunca um artista profundamente marcado por aquelas canções.
Pois bem. A princípio, o novo CD não derrota mesmo o monstro há pouco criado. A primeira impressão até é de que Zé volta a se refugiar em recantos do brega para se garantir. Acontece em "Metrópolis Dourada", que parece de cara quase um tema de rodeio, ou em "Vermelhos", que chega a namorar um axezinho.
Mas, no todo, é primeira impressão precipitada por hábitos arraigados por "ressucessos" como "Admirável Gado Novo", "Banquete de Signos", "Eternas Ondas".
O CD é, isso sim, um trabalho de respeito de Zé aos admiradores de seu estilo. Esmera-se em voltar à seiva nordestina, em especial aos martelos agalopados, temas "rappeados" de longas estrofes repletas de versos contorcionistas -tudo que sempre o caracterizou.
"Beira-Mar - Capítulo Final" é o melhor exemplo. "Os barcos veleiros resvalam nas brumas/ e as verdes palmeiras nos ares tremulam/ as águas se abraçam, as brisas osculam/ os tortos coqueiros que oscilam no ar", canta/recita, embalado por melodia digna do melhor de Zé Ramalho.
A mesma (velha) forma ele vai exibir nas surrealistas/messiânicas "A Peleja de Zé Limeira no Final do Segundo Milênio", "Sem-Terra", "Martelo Rap Ecológico" (a mais "moderna" da nova lavra), "Agônico - O Canto" (de seu LP de 79, agora provida de letra), "Errare Humanum Est" (roubada do repertório de 74 do cantor Jorge Ben).
Zé Ramalho é um artista que nem sempre manteve o pacto de aceitação com seus interlocutores uma vez mais lutando pela criatividade. Ele hoje sabe que essas coisas vão e vêm, especialmente para quem não é politiqueiro e oportunista.
A essa altura, deve saber -e seus interlocutores também- que não é artista passadiço ou descartável. "Eu Sou Todos Nós" é (mais) um recomeço. Ainda vem mais por aí. (PAS)
²
Disco: Eu Sou Todos Nós Artista: Zé Ramalho Lançamento: BMG Quanto: R$ 18, em média


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