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LITERATURA
Os mistérios de Jostein Gaarder
"Não leio mais filosofia", diz à Folha o autor do best seller filosófico "O Mundo de Sofia"; o escritor norueguês, que está no Brasil, conta que procura na ciência respostas para o "mistério que é a vida"
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CASSIANO ELEK MACHADO
da Reportagem Local
O escritor norueguês Jostein
Gaarder, 46, cansou da filosofia.
O autor de "O Mundo de Sofia -
Romance da História da Filosofia",
que já ultrapassou 20 milhões de
exemplares vendidos em 45 línguas, ainda acredita que "a vida é
um mistério", mas pensa que hoje
as melhores respostas para ela estão na ciência.
É com idéias científicas que ele
está estufando seu próximo romance, ainda em preparação.
Gaarder, que veio esta semana
pela primeira vez ao Brasil, para
uma série de palestras (hoje, às
20h, fala no colégio Santo Agostinho, em Belo Horizonte), disse à
Folha: "Não leio mais filosofia para pensar filosofia".
Veja a seguir trechos da entrevista na qual Gaarder explica que filosofia significa "profundas questões humanas".
Folha - "O Mundo de Sofia" começa na filosofia grega e termina
em Sartre. Não há nada nesse livro
sobre filósofos contemporâneos
importantes como Wittgenstein,
Adorno ou Heidegger. O sr. pensa
em escrever uma continuação de
sua "galinha de ovos dourados"?
Jostein Gaarder - Não necessariamente. A razão principal pela
qual não quis escrever sobre autores do século 20 é que grande parte
das questões filosóficas contemporâneas não são escritas por filósofos, mas por cientistas.
Para mim, filosofia significa:
profundas questões humanas. Elas
podem ser divididas em duas categorias. Uma delas é a das perguntas como: "O que é a justiça, a felicidade, o perdão?". Para essas perguntas, não há respostas. A outra é
a das questões cosmológicas, como: "De onde vem o mundo?". Essas questões hoje são muito trabalhadas por físicos, astrônomos,
neurologistas. Não leio mais filosofia para pensar filosofia, leio
ciência. Meu próximo livro discutirá questões como: "O que é a evolução?". Escreverei cada vez mais
sobre ciência.
Folha - E o próximo livro?
Gaarder - Será um romance, a ser
lançado no ano que vem. Mas não
gosto de falar muito sobre o que
estou escrevendo, porque depois
fica mais difícil de fazê-lo. Penso,
porém, que todos que lerem meu
próximo livro vão lembrar de "Sofia", de "O Dia do Curinga" e, sobretudo, de "Vita Brevis".
Folha - Parece muito com eles?
Gaarder - São todos escritos pelo
mesmo autor (risos).
Folha - E o sr. não pensa que eles
são repetitivos?
Gaarder - Em termos. Creio que
minhas recorrências são como as
de muitos pintores, que pintam o
mesmo de novo e de novo.
Folha - O sr. tem planos de escrever um romance adulto?
Gaarder - Meu próximo livro será
para adultos. Penso, porém, que a
divisão infantil/adulto não é boa
para meus livros. O mesmo acontece com obras como "O Pequeno
Príncipe" (de Saint-Exupéry). "Sofia" não é infantil nem adulto. É
uma boa história, e o cérebro humano é feito para boas histórias.
Folha - Qual das suas histórias o
sr. gosta mais?
Gaarder - Recentemente conheci
alguns brasileiros muito simpáticos em um bar em Roma. Quando
falei meu nome, achei que logo diriam: "O Mundo de Sofia". Para
minha surpresa, uma mulher disse: "Oh, "O Dia do Curinga' é seu
melhor livro". Concordo com ela.
Folha - Em "Curinga", o protagonista encontra um "livrinho mágico". Em "Vita Brevis", há uma carta, encontrada misteriosamente
em um sebo em Buenos Aires, escrita por uma concubina para Santo Agostinho. Em "Sofia", são cartas misteriosas que guiam o destino da personagem central. Por que
o sr. sempre insere "mapas do tesouro" em suas histórias?
Gaarder - Baseio-me nas minhas
próprias experiências, pois a vida é
um mistério. De onde vêm os pássaros? O que é a realidade? Quem
sou eu? Gosto de mapas, mas prefiro quebra-cabeças, histórias fantásticas cruzadas com histórias
reais. Não sou atraído por livros
apenas fantasiosos. Para mim, fantasia é como perfume. Adequa-se
de modo diferente na pele de cada
um, assim como em cada livro.
Folha - E por que o sr., que escreveu um livro que tem um anjo como protagonista ("Através do Espelho"), critica tanto a literatura
esotérica. Eles erram no perfume?
Gaarder - Penso que o "new age"
é como a pornografia, que é um
atalho para o erótico. A magia
também pode ser um atalho.
Folha - O sr. tem frequentado listas de best sellers de todo o mundo. Em muitas delas, é acompanhado pelo "mago" Paulo Coelho.
O sr. conhece o trabalho dele?
Gaarder - Sim, até já o conheci
pessoalmente. Li um livro dele,
chamado "O Alquimista".
Folha - Não pensa que seja como
o new age que o sr. critica?
Gaarder - Paulo Coelho é um cara
muito legal. Mas nossos livros pertencem a estilos diferentes.
Folha - O sr. enfrenta muito preconceito por ser um best seller?
Gaarder - Não muito. Mas é importante dizer que nunca escrevi
um best seller. Pelo contrário.
Quando escrevi "Sofia", tinha certeza de que nunca seria best seller.
Até pedi permissão para minha
mulher quando resolvi escrevê-lo.
Disse a ela que tinha certeza de que
não seria um livro lucrativo, e que
talvez ficássemos sem dinheiro por
um tempo. Meu editor norueguês
também hesitou antes de publicar.
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