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LIVRO/LANÇAMENTO
"A GUERRA (1914-1918)"
Julio Mesquita leva o leitor aos infernos da Primeira Guerra
ROBERTO ROMANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Hoje precisamos lançar
um apelo: que venha o
homem capaz de produzir um belo medo em nossa existência"
(Heidegger, 1929). Esta frase, publicada na sequência da Primeira
Guerra, revela um imaginário terrorista. É por tal motivo que Norbert Elias dedicou "Os Alemães"
ao vínculo do terror com o nacionalismo germânico. O terrorista
vive do medo e o espalha. Heidegger saúda o pânico enquanto belo,
numa estetização do mal que integra as pregações nazistas. A cantilena sobre a "superioridade" alemã, do plano racial à cultura, despertou a morte, enterrada nas
lembranças da guerra, e ampliou
seu reino em matanças inauditas.
Heidegger leu Empédocles. Ele
percebeu o horror quando apelou
para o medo gerado por um homem providencial. O filósofo esqueceu "apenas" as denúncias
contra a guerra feitas pelo pré-socrático: "Não cessareis a carnificina odiosa? Não vedes em que loucuras descuidadas vos estais a
consumir uns aos outros?".
E, hoje, G.W. Bush ainda delira
com a "superioridade" americana
e se julga no direito de jogar bombas e gente armada no planeta. Ele
e os terroristas definem a "razão"
de Estado com frases feitas.
É nesse contexto que surge, em
nova edição, o livro de Julio Mesquita (1862-1927). A obra contém
os boletins semanais sobre a Primeira Guerra escritos pelo jornalista e publicados, entre 1914 e
1918, em "O Estado de S.Paulo",
jornal do qual foi publisher. Ao
longo das 920 páginas, divididas
em quatro volumes e recheadas
por fotos, Mesquita expõe os fatos
guerreiros com objetividade e
prudência e escreve frases justas
sobre a barbárie dos combatentes.
Nas linhas finais, diz: "Somos
homens, e o célebre verso latino,
uma vez lido, nunca mais nos saiu
da memória: não queremos ser
estranhos às coisas humanas,
principalmente às que, com tanta
evidência, põem em jogo os altos
destinos da humanidade. Somos
brasileiros. Vimos a nossa terra
quase nas garras de uma casta de
assalto e de rapina (...). O pangermanismo por terra, somos, sem
ameaças, um povo independente.
Resta que o saibamos ser no concurso internacional, incruento e
civilizador que se vai abrir".
Cada frase do trecho citado está
cheia de correto sentido lógico e
histórico. Menos a última. O concurso internacional se mostrou
tudo, menos civilizador ou incruento. Depois dos milhões de
cadáveres da Primeira Guerra,
milhões de cadáveres surgiram na
Segunda. E logo ali, na esquina
dos tempos, vislumbramos, no
século 21, outros milhões.
Mesquita mostra, no livro, ser
um jornalista erudito em filosofia
e literatura. Ele não se descuidou
das informações teóricas sobre a
guerra e sobre a história, recorrendo aos dados sobre o comércio, as ciências e as técnicas.
Amigo dos franceses, apreciou
com isenção os alemães, mesmo
nos instantes em que eles desfilavam arrogância. Também soube
julgar os ingleses, desde suas táticas de guerra até o comércio colonial. Dos russos, soube captar as
mais escondidas dobras da alma.
Ele não se enganou com os norte-americanos e captou a importância que teriam a partir dali.
Jornalista, Mesquita não superestima a imprensa. Ele define
seus artigos como partes de um
"despretensioso boletim, em que
se não dão soluções, nem se ditam
sentenças, mas somente se procuram explicações plausíveis". O
"plausível" se atinge com dados,
pesquisa, saber. E ao leitor fica a
autonomia para julgar. O jornalista, diz Mesquita, afasta a "pura invencionice da legião dos noveleiros, de imaginação inesgotável" e
dissolve os "tremendos disparates" lançados pelos governos.
A leitura de "A Guerra" traz lições para todos, e serve como desagradável descida aos infernos
guerreiros. Quem não perdeu a
consciência e se acautela diante
das imagens da CNN percebe a relevância do presente resgate de
um grande texto jornalístico. Enquanto no Brasil se acumulam os
processos judiciários para calar a
imprensa, recordemos a dignidade do jornalismo. Este livro cumpre de modo perfeito essa função.
Roberto Romano, 56, filósofo, é professor titular de ética e filosofia na Unicamp
A Guerra (1914-1918)
Autor: Julio Mesquita
Editora: O Estado de S.Paulo/Terceiro
Nome
Quanto: R$ 200 (quatro vols., 920 págs.)
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