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DRAUZIO VARELLA
O odor dos genes
Disparidades genéticas
despertam ímpetos de acasalamento. Essa atração pela diversidade está claramente demonstrada na escala zoológica e
vale para seres tão diversos como
o ouriço-do-mar, os ratos e os seres humanos.
Indivíduos geneticamente muito diferentes levam vantagem ao
combinar e recombinar informações genéticas porque as diferenças diminuem a chance de um gene defeituoso do pai formar um
par com outro materno portador
de defeito semelhante. Assim, no
decorrer das gerações, a seleção
natural privilegiou a diversidade
e puniu com a extinção os portadores de genes consanguíneos, deletérios.
Nos organismos complexos, a
luta pela vida é sobretudo dependente da integridade do sistema
imunitário. Durante milhões de
anos, a evolução selecionou sistemas imunológicos primorosos para exercer duas funções fundamentais: destruir o que é estranho
ao organismo e preservar o que
lhe é próprio.
Para o exercício dessa última
função, cada indivíduo traz uma
marca particular em cada uma
de suas células, que serve de salvo-conduto para escapar de seu
próprio exército de defesa. Diante
dela, anticorpos e glóbulos brancos passam ao largo. Essas marcas, que indicam a procedência
de cada célula do corpo, são conhecidas com o nome de antígenos de histocompatibilidade
(MHC). Na clínica, são eles que
testamos para saber quem pode
doar órgãos que não serão rejeitados pelo receptor do transplante.
Experimentos realizados com
ratos no passado procuraram caracterizar os fatores responsáveis
pelo padrão de acasalamento que
se estabelecia entre machos e fêmeas mantidos em gaiolas coletivas. Nunca foi possível descobrir
nenhum fator hormonal ou perfil
bioquímico que explicasse a preferência sexual.
Apenas nos anos 1980 é que três
grupos de pesquisadores encontraram resposta para esse mistério: as ratas eram atraídas pelos
machos e vice-versa de acordo
com a maior divergência dos antígenos de histocompatibilidade
presentes nas células do sistema
imunológico. De alguma forma,
os ratos eram capazes de detectar
através dos sentidos as diferenças
genéticas fundamentais para a
sobrevivência da prole e escolher
a parceria sexual com base nelas.
Embora os mecanismos dessa
percepção sensorial não sejam conhecidos com precisão, trabalhos
publicados nos últimos 20 anos
sugeriram que o estímulo químico captado pelos sentidos, nesse
caso, são os odores do corpo.
Em 1995, C. Wederkind e colaboradores "tiparam" a histocompatibilidade (MHC) de 49 moças
e de 44 rapazes estudantes da
Universidade de Berna, que não
se conheciam uns aos outros. Os
rapazes foram obrigados a dormir sozinhos em suas camas,
usando uma mesma camiseta, na
noite de domingo e de segunda-feira. Na manhã seguinte, guardavam a camiseta num saco plástico etiquetado e a entregavam
aos pesquisadores.
Seis sacos plásticos contendo camisetas usadas foram apresentados a cada mulher. Sem que elas
soubessem, três continham camisetas de rapazes portadores de genes mais próximos aos delas, e as
outras três pertenciam a homens
mais díspares geneticamente. As
mulheres deviam dar notas de zero a dez para cada camiseta, de
acordo com a análise de dois critérios: atração/repulsão sexual e
sensação agradável/desagradável
provocada por aquele odor.
O tratamento estatístico dos resultados mostrou que:
1) As mulheres deram notas
mais altas para as camisetas dos
homens que apresentavam maior
disparidade genética em relação
a elas, confirmando os resultados
obtidos com ratos.
2) Estimuladas a comparar o
odor da camiseta testada com a
lembrança do cheiro de namorados atuais ou antigos, as mulheres identificaram-no nas camisetas de homens com MHCs díspares, com o dobro da frequência do
que nas de MHCs similares aos
delas.
Entre todos os primatas, seres
humanos são os que possuem
mais glândulas produtoras de
odores corpóreos. Embora nosso
olfato seja capaz de discernir talvez 10 mil ou mais cheiros diferentes, ele é dez a 20 vezes menos
sensível do que o de um cachorro,
e menos ainda do que o de um rato.
As terminações nervosas que
captam odores estão ancoradas
na mucosa nasal. Quando sentimos o cheiro de uma laranja, por
exemplo, diversas terminações foram estimuladas especificamente
pelas diferentes moléculas liberadas pela fruta e conduzidas para
o cérebro, que reuniu e analisou
todos os "bits" de informação,
comparou-os com experiências
prévias armazenadas na memória e identificou o cheiro com tal
precisão que saberemos se ele veio
da fruta verde ou madura, de
uma bala ou de um xampu com
essência de laranja.
Esses neurônios receptores de sinais olfativos presentes na mucosa nasal enviam terminações que
convergem para uma estrutura
situada mais internamente, chamada bulbo olfatório. Os estímulos que chegam ao bulbo são organizados e conduzidos a diversos centros cerebrais, entre os
quais se encontra o sistema límbico, uma das áreas mais importantes no processamento das
emoções, da sexualidade e do desejo. Essa conexão entre o bulbo
olfatório e o sistema límbico constitui uma via muito mais rápida
de transmissão do estímulo nervoso do que a percorrida pelas informações visuais ou auditivas,
por exemplo.
A partir do instante em que o
bebê, guiado pelo cheiro de leite,
encontra pela primeira vez o mamilo materno, as conexões diretas
entre os receptores do olfato e os
centros que integram impulsos
emocionais exercem influência
decisiva nos relacionamentos humanos. Como diz a pesquisadora
Susan Schiffman, da Universidade Duke: "Um casal pode sobreviver a toda sorte de diferenças,
mas, quando um deixa de gostar
do cheiro do outro, o relacionamento está arruinado".
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