São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ex-hippie, Hyldon lança disco e diz que agora é punk

Da turma de Tim Maia, o autor de "Na Rua, na Chuva, na Fazenda" lança CD só de inéditas após 19 anos de "jejum"

Antes de "Soul Brasileiro", músico chegou a fazer disco com regravações em 2003, deu aula de música para crianças e criou coral

AUDREY FURLANETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando conheceu Tim Maia, ele estava com Elis Regina. Hyldon, hoje com 57 anos, apareceu, queria mostrar algumas músicas. Mais tarde, num quarto, Tim cantou -e "chegava a tremer o quarto quando ele cantava". Depois, estendeu o violão para Hyldon.
Entre outras, Hyldon cantou o blues "Gioconda", nome de um amor antigo, o mesmo que inspirou seu maior sucesso, a balada "Na Rua, na Chuva, na Fazenda".
Tim parecia gostar do que ouvia e só fez uma observação: "Pô, meu filho, com esse nome aí ["Gioconda'] ninguém vai gravar essa música. Muda pra Regina, Cristina, sei lá!".
Hyldon não mudou. A música, mais tarde, foi gravada por Jerry Adriani, na época produzido por Raul Seixas. Mais tarde ainda, ele se "desiludiu" com o mercado e, de 1989 para cá, fez só um disco, "Vendedor de Sonhos", em 2003, com algumas inéditas e regravações. Só agora, um intervalo de 19 anos desde o último álbum de novas composições, volta ao mercado, com "Soul Brasileiro".
Feito em um ano, o disco, conta ele, começou com três músicos e terminou com 35 participações, de Carlinhos Brown e Zeca Baleiro a Chico Buarque -que não canta, mas toca kalimba, instrumento de percussão, na faixa "Medo da Solidão", que abre o álbum. "Se ficou um disco romântico, não era a intenção. As músicas é que levaram a isso", diz Hyldon. Se é fruto de desilusão, "Soul" também é a última reação de Hyldon ao mercado -sai independente, pelo selo do próprio músico, DPA. "Cara, agora eu tô punk. Não tem aquela coisa de "faça você mesmo'? Aquela coisa que eles chamam de "do it yourself", não é mesmo?"

Cabeludo psicodélico
Antes de querer ser punk, Hyldon foi hippie, "um cabeludão psicodélico", segundo o pai da namorada Gioconda, que inspirou suas músicas . Foi seu apreço "pelas coisas da natureza" e o desejo de levar as filhas, Haline e Yasmin, então crianças, para o interior, que o fizeram trocar a capital carioca por Teresópolis, na região serrana do Rio. A mudança aconteceu entre 1995 e 1996, "bem quando o Kid Abelha estourou com a regravação de "Na Rua...'".
"Fui trabalhar com projetos infantis", conta. "Escrevi para teatro, fiz produção de show, direção e músicas para os espetáculos do Seu Boneco, da Escolinha [do Professor Raimundo, humorístico da Globo]." Criou também um coral infantil, deu aula de música para crianças e até hoje é professor voluntário numa comunidade.
Em 2003, "as filhas cresceram, foram ficando adolescentes". "E ainda, apesar de eu estar "internetado", acompanhando tudo o que está acontecendo e de Teresópolis nem ser muito longe, eu sentia falta de assistir a mais shows, de ter mais contato com o pessoal de arte", diz.
Tentou "tomar gosto" outra vez pelo palco e pelo estúdio. Mas, mesmo assim, afirma que "o mercado de discos ficou muito ruim", entrou "gente de marketing das gravadoras" e "começou a se perder o respeito pelo artista, pela música".
"Foi muita desilusão", diz Hyldon, que começou a tocar tambor na escola aos três anos, violão aos sete e, aos 13, já tinha um conjunto de baile. "A música sempre foi pra mim uma coisa sagrada. E eu não tinha diálogo com os caras de gravadora, com essa geração que veio dos anos 80. Foi a época em que começaram as bandas, os teclados, e acabou aquela coisa da gravação, que era o que eu fazia, com orquestra, com altos arranjos, de trabalhar o artista a longo prazo."
Seu amigo Tim Maia, aliás, se vendeu "um pouco", na opinião de Hyldon. "Cara, não é porque o Tim morreu que vai virar santo. Teve uma fase do Tim muito boa. Mas, nos anos 80, ele começou a gravar balada para sobreviver. Tem muitos artistas que cederam a esses esquemas de gravadoras para poder sobreviver", diz, referindo-se a hits gravados por Tim, como "Dia de Domingo", da dupla Sullivan e Massadas.
"Não consigo trabalhar fabricando. Por isso, esse distanciamento das gravadoras, de aceitar fazer isso, de o cara dizer: Tem que fazer outro "Na Rua, na Chuva, na Fazenda". Pô, eu não vou conseguir fazer outro "Na Rua, na Chuva, na Fazenda'! A fazenda existia, existia a casinha de sapê, existia a pessoa, existia o sentimento", diz. "Eu não me senti capacitado pra fazer isso. Sou muito sonhador, sou ainda romântico."


Texto Anterior: Raro sucesso na China, Guns tem CD vetado no país
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.