São Paulo, segunda, 30 de novembro de 1998

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Pessimismo é ordem do dia

GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha

Culturalmente, o Brasil continua sendo um país continental, formado por ilhas que não se comunicam entre si, a despeito da facilidade tecnológica da comunicação contemporânea. É por isso que passou em brancas nuvens o livro "A Comédia Brasileira" (1994), do grande historiador gaúcho Décio Freitas, um dos melhores estudiosos da escravidão entre nós.
Eu o conheci em Porto Alegre, no inicio da década de 90. Culto, elegante, simpático, contou-me coisas interessantes sobre seu exílio pós-64 em Montevidéu, onde privou da amizade de João Goulart, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro.
Um assunto que mereceria ser objeto de investigação histórica e talvez até virar tema de romance é a diferença que marcou o exílio pós-64, no Uruguai e no Chile. Deste último saiu a fornalha neoliberal, a exemplo de um José Serra e de um César Maia. E FHC? Este nunca foi exilado, não obstante a estada chilena conspícua.
Em seu admirável "A Comédia Brasileira", que no fundo é uma inequívoca tragédia, Décio Freitas timbra em cotejar o antes e o depois de 1964, testemunhando que a disparada do dólar ocorrera simultaneamente (e não por acaso) ao golpe de Estado, acontecimento que mais tarde seria justificado, com indisfarçável júbilo, pelo sociólogo FHC em sua teoria do "autoritarismo". Para FHC, 1964 seria o resultado do determinismo da acumulação econômica, portanto historicamente inevitável.
Impressiona o modo melancólico pelo qual Décio Freitas aborda a decadência da política. Voto nulo. Processo eleitoral desideologizado. Voto em branco. Abstenção.
Trata-se da morte da política: "Já não se acredita que a história seja feita pela política". A isso corresponde o depauperamento do Estado. O "menos política" significa que a opinião pública é formada pela mídia e não pelos partidos políticos. Os cientistas sociais são tidos como "cadáveres teóricos". Com a reserva eleitoral dos miseráveis, latifúndio e favela, o povão vota na direita, assim como durante o "milagre econômico" as camadas populares apoiavam a ditadura. A chamada "esquerda" não consegue seduzir os marginais, os desorganizados e os desclassificados. Aquilo que era estranho à cultura brasileira, o pessimismo, converte-se em ordem do dia. Detalhe apavorante: não se trata apenas de pessimismo na esfera do intelecto, mas sim na esfera da vontade.
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Livro: A Comédia Brasileira Autor: Décio Freitas Editora: Sulina Quanto: R$ 15 (238 págs.)


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