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Pessimismo é ordem do dia
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
Culturalmente, o Brasil continua
sendo um país continental, formado por ilhas que não se comunicam entre si, a despeito da facilidade tecnológica da comunicação
contemporânea. É por isso que
passou em brancas nuvens o livro
"A Comédia Brasileira" (1994), do
grande historiador gaúcho Décio
Freitas, um dos melhores estudiosos da escravidão entre nós.
Eu o conheci em Porto Alegre, no
inicio da década de 90. Culto, elegante, simpático, contou-me coisas interessantes sobre seu exílio
pós-64 em Montevidéu, onde privou da amizade de João Goulart,
Leonel Brizola e Darcy Ribeiro.
Um assunto que mereceria ser
objeto de investigação histórica e
talvez até virar tema de romance é
a diferença que marcou o exílio
pós-64, no Uruguai e no Chile.
Deste último saiu a fornalha neoliberal, a exemplo de um José Serra e
de um César Maia. E FHC? Este
nunca foi exilado, não obstante a
estada chilena conspícua.
Em seu admirável "A Comédia
Brasileira", que no fundo é uma
inequívoca tragédia, Décio Freitas
timbra em cotejar o antes e o depois de 1964, testemunhando que a
disparada do dólar ocorrera simultaneamente (e não por acaso) ao
golpe de Estado, acontecimento
que mais tarde seria justificado,
com indisfarçável júbilo, pelo sociólogo FHC em sua teoria do "autoritarismo". Para FHC, 1964 seria
o resultado do determinismo da
acumulação econômica, portanto
historicamente inevitável.
Impressiona o modo melancólico pelo qual Décio Freitas aborda a
decadência da política. Voto nulo.
Processo eleitoral desideologizado. Voto em branco. Abstenção.
Trata-se da morte da política: "Já
não se acredita que a história seja
feita pela política". A isso corresponde o depauperamento do Estado. O "menos política" significa
que a opinião pública é formada
pela mídia e não pelos partidos políticos. Os cientistas sociais são tidos como "cadáveres teóricos".
Com a reserva eleitoral dos miseráveis, latifúndio e favela, o povão
vota na direita, assim como durante o "milagre econômico" as camadas populares apoiavam a ditadura. A chamada "esquerda" não
consegue seduzir os marginais, os
desorganizados e os desclassificados. Aquilo que era estranho à cultura brasileira, o pessimismo, converte-se em ordem do dia. Detalhe
apavorante: não se trata apenas de
pessimismo na esfera do intelecto,
mas sim na esfera da vontade.
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Livro: A Comédia Brasileira
Autor: Décio Freitas
Editora: Sulina
Quanto: R$ 15 (238 págs.)
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