São Paulo, segunda, 30 de novembro de 1998

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LITERATURA
"Vida privada, versão PB" é relançado

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Infelizmente a autora do livro não poderá estar no seu lançamento hoje à noite. Seria extremamente interessante poder conversar com ela. Quando "No Tempo de Dantes" foi lançado, em 1946, Maria Paes de Barros tinha 94 anos.
Mais meio século e surge a segunda edição, uma publicação bem cuidada, com uma bela seleção de fotos que ilustram a São Paulo que desapareceu e um modo de vida que hoje é história.
Impossibilitados de dialogar com essa senhora, resta aos paulistanos de hoje -e brasileiros em geral- ouvir o que ela tinha a dizer. Trata-se de relato fascinante.
Virou moda em história escrever sobre o cotidiano das pessoas, sobre sua "vida privada", em oposição àquela dita pública, dos grandes homens e seus negócios (escândalos como o do "grampo" mostram o que há de privada na vida dos homens públicos).
O livro dessa senhora de uma família ilustre de São Paulo faz um nítido retrato em preto e branco de São Paulo durante o Segundo Império. Mostra o cotidiano de uma família da elite branca liberal e também revela traços do outro pólo oposto, a senzala negra.
A memória de dona Maria é "um verdadeiro fenômeno", como disse Monteiro Lobato no prefácio de 1946. E, graças a isso, continua ele, "temos hoje diante de nós um quadro panorâmico do que fomos socialmente muitas décadas atrás, na reconstituição das idéias, dos costumes, dos preconceitos, dos brinquedos, dos passeios, das diversões, da mesa e de tudo mais que formava o modus vivendi duma numerosa família de alto estadão e severos princípios de moralidade".
Um dos pontos que ressaltam do livro é a honestidade da memorialista. Por exemplo, quando ela fala da Guerra do Paraguai (um dos maiores celeiros de equívocos na historiografia brasileira recente).
A autora comenta a indignação que tomou conta do país com o ataque do ditador paraguaio Solano López (convém sempre lembrar aos jovens que quem foi atacado primeiro foi o Brasil).
"Mas, se nas classes cultas ardiam os brios patrióticos e guerreiros, o mesmo não acontecia entre o povo, para o qual ressoava dolorosamente a palavra "recrutamento'. Parecia realmente concretizar todos os males, pois não somente destruía a vida do caboclo como a do negro, que afinal tanto veio contribuir com o seu sangue para a vitória da áspera campanha", escreveu a autora.
Não deixa de ser significativo que a introdução do livro seja feita por um intelectual marxista, Caio Prado Júnior, ele próprio originário da aristocracia rural paulista (era neto de Martinico Prado, fazendeiro, voluntário no Batalhão Paulista na Guerra do Paraguai).
"Certamente ainda está por se escrever o que a civilização deve à mulher. Os processos unilaterais da História consagram os varões ilustres, mas silenciam o quanto custaram suas conquistas à obscura colaboradora do homem", escreveu Caio Prado Júnior.
E significativo também é que dois dos envolvidos na atual edição, Benedito Lima de Toledo e Modesto Carvalhosa, sejam um historiador da arquitetura que resgatou em sua obra essa São Paulo antiga e devorada pelo "progresso" e um advogado que lutou na justiça contra demolições do que restou, por exemplo impedindo que o metrô derrubasse o prédio do Colégio Caetano de Campos na praça da República.
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Livro: No Tempo de Dantes Autor: Maria Paes de Barros, prefácio de Monteiro Lobato, introdução de Caio Prado Júnior, iconografia organizada por Benedito Lima de Toledo e Modesto Carvalhosa Lançamento: Paz e Terra
Quanto: R$ 25 (160 págs.) Patrocinador: Fundação Nestlé de Cultura
Quando: hoje, às 19h Onde: Museu da Casa Brasileira (av. Faria Lima, 2.705, Jardins, tel. 011/210-2488)


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