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LITERATURA
"Vida privada, versão PB" é relançado
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
Infelizmente a autora do livro
não poderá estar no seu lançamento hoje à noite. Seria extremamente interessante poder conversar
com ela. Quando "No Tempo de
Dantes" foi lançado, em 1946, Maria Paes de Barros tinha 94 anos.
Mais meio século e surge a segunda edição, uma publicação
bem cuidada, com uma bela seleção de fotos que ilustram a São
Paulo que desapareceu e um modo
de vida que hoje é história.
Impossibilitados de dialogar
com essa senhora, resta aos paulistanos de hoje -e brasileiros em
geral- ouvir o que ela tinha a dizer. Trata-se de relato fascinante.
Virou moda em história escrever
sobre o cotidiano das pessoas, sobre sua "vida privada", em oposição àquela dita pública, dos grandes homens e seus negócios (escândalos como o do "grampo"
mostram o que há de privada na vida dos homens públicos).
O livro dessa senhora de uma família ilustre de São Paulo faz um
nítido retrato em preto e branco de
São Paulo durante o Segundo Império. Mostra o cotidiano de uma
família da elite branca liberal e
também revela traços do outro pólo oposto, a senzala negra.
A memória de dona Maria é "um
verdadeiro fenômeno", como disse Monteiro Lobato no prefácio de
1946. E, graças a isso, continua ele,
"temos hoje diante de nós um quadro panorâmico do que fomos socialmente muitas décadas atrás, na
reconstituição das idéias, dos costumes, dos preconceitos, dos brinquedos, dos passeios, das diversões, da mesa e de tudo mais que
formava o modus vivendi duma
numerosa família de alto estadão e
severos princípios de moralidade".
Um dos pontos que ressaltam do
livro é a honestidade da memorialista. Por exemplo, quando ela fala
da Guerra do Paraguai (um dos
maiores celeiros de equívocos na
historiografia brasileira recente).
A autora comenta a indignação
que tomou conta do país com o
ataque do ditador paraguaio Solano López (convém sempre lembrar aos jovens que quem foi atacado primeiro foi o Brasil).
"Mas, se nas classes cultas ardiam os brios patrióticos e guerreiros, o mesmo não acontecia entre o
povo, para o qual ressoava dolorosamente a palavra "recrutamento'.
Parecia realmente concretizar todos os males, pois não somente
destruía a vida do caboclo como a
do negro, que afinal tanto veio
contribuir com o seu sangue para a
vitória da áspera campanha", escreveu a autora.
Não deixa de ser significativo que
a introdução do livro seja feita por
um intelectual marxista, Caio Prado Júnior, ele próprio originário
da aristocracia rural paulista (era
neto de Martinico Prado, fazendeiro, voluntário no Batalhão Paulista
na Guerra do Paraguai).
"Certamente ainda está por se escrever o que a civilização deve à
mulher. Os processos unilaterais
da História consagram os varões
ilustres, mas silenciam o quanto
custaram suas conquistas à obscura colaboradora do homem", escreveu Caio Prado Júnior.
E significativo também é que
dois dos envolvidos na atual edição, Benedito Lima de Toledo e
Modesto Carvalhosa, sejam um
historiador da arquitetura que resgatou em sua obra essa São Paulo
antiga e devorada pelo "progresso" e um advogado que lutou na
justiça contra demolições do que
restou, por exemplo impedindo
que o metrô derrubasse o prédio
do Colégio Caetano de Campos na
praça da República.
²
Livro: No Tempo de Dantes
Autor: Maria Paes de Barros, prefácio de
Monteiro Lobato, introdução de Caio Prado
Júnior, iconografia organizada por Benedito
Lima de Toledo e Modesto Carvalhosa
Lançamento: Paz e Terra
Quanto: R$ 25 (160 págs.)
Patrocinador: Fundação Nestlé de Cultura
Quando: hoje, às 19h
Onde: Museu da Casa Brasileira (av. Faria
Lima, 2.705, Jardins, tel. 011/210-2488)
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