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CRÍTICA
Romance é um mergulho nas trevas
CRÍTICO DA FOLHA
"O horror! O horror!", poderiam exclamar quase
todos os personagens de "Boa
Tarde às Coisas Aqui em Baixo"
- as famosas palavras finais de
Kurtz, em "O Coração das Trevas", de Joseph Conrad.
Como na novela do anglo-polonês, temos a situação básica de
um europeu que está em país africano em busca de um colega, que
lá de certa forma teria "se perdido", existencialmente falando. E a
Angola pós-colonial de Lobo Antunes, dilacerada por lutas internas e interesses estrangeiros, é
pintada com as mesmas cores lúgubres e o tom de pesadelo que há
no antigo Congo Belga (atual Zaire) descrito por Conrad.
Mas, em Lobo Antunes, que é
tudo menos um escritor simples,
a situação se complica. E se duplica. O personagem que fora à África à procura de outro pode vir a
ser, por sua feita, resgatado (ou
morto) por outro sujeito, e por
outro e por outro...
Como no filme de Luis Buñuel,
"O Anjo Exterminador", em que
um grupo de burgueses não consegue sair da sala de jantar, os
agentes do serviço secreto português, enviados a Angola para tratar de assuntos obscuros envolvendo diamantes (em Conrad, a
matéria-prima é o marfim), parecem enredar-se na atmosfera
agreste, nos eflúvios maleitosos
da região. Tomados pela inércia,
lá vão ficando. Não se deve esperar uma leitura fácil, pois o entrecho vem embalado pelo estilo
operático ou musical, costumeiro
ao autor. Mas, ao contrário de outros romances de Lobo Antunes,
em que pormenores da história
portuguesa podem estorvar alguns leitores, este vai mais fundo
nas contradições da condição humana, nas "coisas aqui em baixo",
com as quais todos podemos nos
identificar.
(MARCELO PEN)
Boa Tarde às Coisas Aqui em
Baixo
Autor: António Lobo Antunes
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 64,90 (565 págs.)
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