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Tudo a venda
Novelas passam por auge do merchandising e turbinam lucro com celulares, carros e hidratantes no enredo
Caco Galhardo
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RODRIGO RUSSO
SILAS MARTÍ
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Entre um e outro momento
dramático, enquanto a mocinha se recupera de um grave
acidente, sobra espaço para dar
dicas de maquiagem, indicar
cores de batom ou descrever os
muitos atributos de um rádio
de carro com controle remoto.
Além dos dramas de Alinne
Moraes, estão na novela das oito, "Viver a Vida", cosméticos
da Natura, telefones Nextel e
todos os 11 modelos de carros
da Kia, com direito a passeios
pela concessionária entre uma
cena de choro e outra de briga.
"Está indo bem demais", comemora o autor da trama, Manoel Carlos. "O merchandising
em "Viver a Vida" é um recorde."
Desde a estreia, há 120 capítulos, a história já teve pelo menos 41 ações publicitárias, entre cenas que descrevem produtos, as que os mostram de relance e outras em que personagens aparecem dirigindo, acionando teclas e se maquiando.
Nos últimos cinco anos, esse
tipo de ação em novelas vem
turbinando o faturamento da
Globo, da Record e do SBT.
Só na Record, o número de
profissionais trabalhando com
essa tática quintuplicou, e o setor já responde por mais de 16%
do faturamento anual da rede.
"É o produto mais caro que temos na grade", diz Marcus Vinicius Chisco, diretor de merchandising. "Antes eram dois
clientes, no máximo cinco
ações na temporada, agora temos uma a cada dez capítulos."
Na Avon, gigante de cosméticos, as ações triplicaram em
cinco anos: foram das dez inserções que fizeram na novela
das sete "A Lua Me Disse", em
2005, às 30 de "Negócio da China" e "Caras & Bocas", na Globo, e "Bela, a Feia", na Record.
"Quando tem um lançamento, a gente sempre opta por fazer isso", diz Mônica Nakamura, diretora de marketing. "É
uma forma de acessar as mulheres de maneira mais suave,
fazer parte do dia a dia delas."
Mas essa suavidade tem um
preço. Enquanto um anúncio
de 30 segundos num intervalo
da novela das oito, na Globo,
custa em média R$ 380 mil, a
publicidade dentro do programa chega a sair por R$ 1 milhão.
Um conjunto de ações, negociado entre o cliente e a emissora, pode passar de R$ 3 milhões.
E vários desses pacotes podem ser vendidos ao longo da
trama, que costuma se estender
por 200 capítulos. Considerando um custo de produção de R$
200 mil por episódio, 40 ações
desse tipo são suficientes para
bancar toda uma novela.
Segundo publicitários ouvidos pela Folha, o anúncio disfarçado vale a pena. Lica Bueno, diretora de mídia da agência F/ Nazca, aponta três vantagens da estratégia para o
anunciante: maior impacto, já
que a novela dá mais audiência
que o intervalo, a possibilidade
de demonstrar o uso do produto e o endosso de celebridades.
Em geral, anunciantes não
querem seu creme hidratante
associado a um mafioso ou traficante. Preferem mocinhas e
mocinhos, nunca vilões. No caso de uma vilã, só uma "glamourosa", como frisa a diretora de marketing da Avon.
Um redator publicitário, que
não quis ser identificado, conta
que se a vilã for apenas fútil,
não há problemas. Grave é
quando falhas de caráter a levam a ações mais violentas, como explodir alguns shoppings.
Drible na regra
Esses informes publicitários,
velados em forma de diálogos
em grande parte insossos, são
uma forma de as redes driblarem o limite máximo de 25% do
tempo de programação que podem destinar à publicidade, já
que o Ministério das Comunicações não conta merchandising como intervalo comercial.
A diferença entre publicidade convencional e a inserida na
trama também demanda a
atenção dos anunciantes. Ao
contrário do spot de 30 segundos, em que controlam de tudo,
do roteiro, cenário e escolha de
atores à maquiagem e à iluminação, o set da novela é um terreno não tão certo. "Merchandising é mais desgastante", diz
a publicitária Lica Bueno. "Não
tem padrão, o roteiro é feito na
emissora, e o resultado requer
um ajuste de expectativas."
Uma cena em que Jorge, personagem de Mateus Solano em
"Viver a Vida", descreve em detalhes o rádio de seu carro da
Kia não agradou nem ao presidente da marca. "Foi um pouco
"over'", diz José Luiz Gandini.
"Isso não é bom, pode gerar a
rejeição do público." A empresa
faz ações comerciais em todas
as novelas das oito desde "A Favorita" (2008), e inclusive já fechou contrato para a próxima,
"Passione", que deve estrear
em abril deste ano.
Em tese, anunciantes não podem interferir nas gravações,
nem exigir mudanças no roteiro. "Em programas de auditório, o anunciante pode ir, mas
em novela, depende do quanto
está pagando", diz um redator
de merchandising. "Se o cara
der um caminhão de dinheiro,
tudo pode ser negociado."
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