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Filme expõe decepção de João Gilberto
Documentário registra reclamações do músico sobre descaso de gravadora
Inventor da bossa nova processa EMI e mantém embargadas há quase duas décadas as reedições dos três primeiros álbuns
MARCUS PRETO
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O imbróglio já dura quase
duas décadas. Desentendimentos entre o cantor João Gilberto, 78, e a gravadora EMI mantêm fora da circulação oficial
três dos álbuns mais importantes da música brasileira.
Alicerces da bossa nova lançados por João na Odeon,
"Chega de Saudade" (1959), "O
Amor, o Sorriso e a Flor" (1960)
e "João Gilberto" (1961) foram
editados em CD nacional apenas uma vez, em 1992.
Batizada de "O Mito" (veja
quadro), a versão digital reunia
em volume único o conteúdo
dos três LPs -ainda que as faixas não seguissem a ordem original. O pacote também tinha
três canções do EP "Orfeu da
Conceição" (1962).
João abriu processo contra a
EMI (que detém o catálogo da
Odeon) logo na sequência, mas
nunca comentou o assunto publicamente. Só faz isso agora,
por meio do documentário
-ainda inédito- que Claudia
Faissol, 38, mãe de sua filha caçula, prepara sobre ele.
A Folha teve acesso a parte
do material, em fase de edição,
e anotou os comentários de
João Gilberto sobre o caso.
O músico expõe o que o incomoda na edição de 1992: "No
processo [de digitalização], tiram coisas, tiram frequências,
fazem besteira. Mudam o som.
É uma outra coisa. Eu não sei o
que eles fazem, mas sei que fica
diferente. Aí então eu me apresento, eu luto por isso".
Em termos técnicos, as frequências que João diz terem sido tiradas são as cabeças e os
pés da onda sonora -o que dava ao ouvinte a sensação de
som achatado e sem brilho. Tal
defeito era na fase de transição
do analógico para o digital, no
começo dos anos 90.
A primeira vez
João fala sobre quando ouviu
a versão digital de seus álbuns:
"Botou para tocar e eu disse:
"Está diferente". O cara nem ligou muito. Eu disse: "Pô, vamos
fazer outra vez". E eu ia no outro dia, fui lá com o maestro".
E continua: "Aí, passou o
Nelsinho Motta e disse: "Que isso? Tem uma diferença aí". O
chefe que cuida dos microfones
disse: "Não, isso não tem." (...)
Pedi um analisador de espectro. (...) Veio um cara empurrando aquilo, sentou na mesa,
ligou tudo e disse: "Não é que o
João estava certo?" Tinha um
monte de coisa defasada, estava
tudo errado."
O produtor e jornalista Nelson Motta diz à Folha não ter
"a mais remota lembrança".
"Mas o João deve estar certo,
nessas coisas de som ele está
sempre certo", diz.
João não fala com a imprensa -nem sequer tem assessoria
para esse fim. O empresário
cuida apenas da agenda de
shows. Quem responde por ele
neste caso, portanto, é o advogado Marcos Meira.
O que é preciso para que os
três álbuns possam ser de novo
comercializados? Segundo
Meira, isso só deve acontecer
quando os danos causados pela
edição "O Mito" forem reparados pela EMI.
O processo, ainda em andamento, pede indenização por
danos morais e materiais e pagamento de royalties. Estão incluídos aí indenização por mau
uso da obra e desrespeito à
honra do artista. A afronta direta à honra de João, segundo
Meira, está impressa também
no encarte de "O Mito".
"Foram utilizadas frases com
o intuito cristalino de ridicularizar a imagem do compositor",
diz o advogado. "Vocábulos e
termos como "personalidades
mais estranhas" e "folclore que
envolve a figura de João" trazem um claro intuito de denegrir sua honra."
Claudia Faissol se comove
quando fala do assunto. Diz
que João "tem sofrido muito"
com a alteração nos três álbuns. "Ele prefere até os [álbuns] piratas, pelo menos eles
são fiéis aos originais", diz.
Segundo ela, a melhor maneira de solucionar a questão
seria o próprio João monitorar
as remasterizações das versões
digitais definitivas de "Chega
de Saudade", "O Amor, o Sorriso e a Flor" e "João Gilberto". E
receber da EMI por isso.
Ela não fala em números,
mas diz que as propostas da
gravadora são "de dar vergonha". "Eles querem dar por tudo isso o valor que João consegue fazendo um único show",
diz. Estima-se que, pelos três
shows que fez em 2008 comemorando o cinquentenário da
bossa nova, João tenha recebido cachê de R$ 2 milhões.
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