São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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Filme expõe decepção de João Gilberto

Documentário registra reclamações do músico sobre descaso de gravadora

Inventor da bossa nova processa EMI e mantém embargadas há quase duas décadas as reedições dos três primeiros álbuns

MARCUS PRETO
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O imbróglio já dura quase duas décadas. Desentendimentos entre o cantor João Gilberto, 78, e a gravadora EMI mantêm fora da circulação oficial três dos álbuns mais importantes da música brasileira.
Alicerces da bossa nova lançados por João na Odeon, "Chega de Saudade" (1959), "O Amor, o Sorriso e a Flor" (1960) e "João Gilberto" (1961) foram editados em CD nacional apenas uma vez, em 1992.
Batizada de "O Mito" (veja quadro), a versão digital reunia em volume único o conteúdo dos três LPs -ainda que as faixas não seguissem a ordem original. O pacote também tinha três canções do EP "Orfeu da Conceição" (1962).
João abriu processo contra a EMI (que detém o catálogo da Odeon) logo na sequência, mas nunca comentou o assunto publicamente. Só faz isso agora, por meio do documentário -ainda inédito- que Claudia Faissol, 38, mãe de sua filha caçula, prepara sobre ele.
A Folha teve acesso a parte do material, em fase de edição, e anotou os comentários de João Gilberto sobre o caso.
O músico expõe o que o incomoda na edição de 1992: "No processo [de digitalização], tiram coisas, tiram frequências, fazem besteira. Mudam o som. É uma outra coisa. Eu não sei o que eles fazem, mas sei que fica diferente. Aí então eu me apresento, eu luto por isso".
Em termos técnicos, as frequências que João diz terem sido tiradas são as cabeças e os pés da onda sonora -o que dava ao ouvinte a sensação de som achatado e sem brilho. Tal defeito era na fase de transição do analógico para o digital, no começo dos anos 90.

A primeira vez
João fala sobre quando ouviu a versão digital de seus álbuns: "Botou para tocar e eu disse: "Está diferente". O cara nem ligou muito. Eu disse: "Pô, vamos fazer outra vez". E eu ia no outro dia, fui lá com o maestro".
E continua: "Aí, passou o Nelsinho Motta e disse: "Que isso? Tem uma diferença aí". O chefe que cuida dos microfones disse: "Não, isso não tem." (...) Pedi um analisador de espectro. (...) Veio um cara empurrando aquilo, sentou na mesa, ligou tudo e disse: "Não é que o João estava certo?" Tinha um monte de coisa defasada, estava tudo errado."
O produtor e jornalista Nelson Motta diz à Folha não ter "a mais remota lembrança". "Mas o João deve estar certo, nessas coisas de som ele está sempre certo", diz.
João não fala com a imprensa -nem sequer tem assessoria para esse fim. O empresário cuida apenas da agenda de shows. Quem responde por ele neste caso, portanto, é o advogado Marcos Meira.
O que é preciso para que os três álbuns possam ser de novo comercializados? Segundo Meira, isso só deve acontecer quando os danos causados pela edição "O Mito" forem reparados pela EMI.
O processo, ainda em andamento, pede indenização por danos morais e materiais e pagamento de royalties. Estão incluídos aí indenização por mau uso da obra e desrespeito à honra do artista. A afronta direta à honra de João, segundo Meira, está impressa também no encarte de "O Mito".
"Foram utilizadas frases com o intuito cristalino de ridicularizar a imagem do compositor", diz o advogado. "Vocábulos e termos como "personalidades mais estranhas" e "folclore que envolve a figura de João" trazem um claro intuito de denegrir sua honra."
Claudia Faissol se comove quando fala do assunto. Diz que João "tem sofrido muito" com a alteração nos três álbuns. "Ele prefere até os [álbuns] piratas, pelo menos eles são fiéis aos originais", diz.
Segundo ela, a melhor maneira de solucionar a questão seria o próprio João monitorar as remasterizações das versões digitais definitivas de "Chega de Saudade", "O Amor, o Sorriso e a Flor" e "João Gilberto". E receber da EMI por isso.
Ela não fala em números, mas diz que as propostas da gravadora são "de dar vergonha". "Eles querem dar por tudo isso o valor que João consegue fazendo um único show", diz. Estima-se que, pelos três shows que fez em 2008 comemorando o cinquentenário da bossa nova, João tenha recebido cachê de R$ 2 milhões.


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