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Livro expõe raízes do Brasil
Reprodução
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SÃO PAULO - Este desenho sem título de 1821 mostra a parte sul da cidade; são vistos, do lado direito, o frontão e a torre da Sé; no centro, a ladeira do Carmo, que termina em uma ponte sobre o rio Tamanduateí; à esquerda, vê-se a igreja do Carmo |
Obra reúne 350 mapas e vistas do país no período colonial; cem imagens originais estão em mostra que abre hoje no Masp, cujo destaque é o original do Tratado de Tordesilha
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BRASIL 500 ANOS
CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local
O resultado de 40 anos de pesquisa do arquiteto e professor da
FAU (Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP) Nestor Goulart Reis sobre o desenvolvimento
urbano de vilas e cidades brasileiras chega hoje a público.
Trata-se do livro "Imagens de
Vilas e Cidades do Brasil Colonial", uma co-edição Edusp e Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo que reúne em 414 páginas
cerca de 350 imagens de mapas e
vistas de núcleos urbanos da quase totalidade de Estados do país,
selecionadas entre cerca de mil
imagens, localizadas em bibliotecas e arquivos públicos e particulares brasileiros e de cidades como Lisboa, Porto, Paris, Nova
York e Haia. Grande parte delas
jamais foi publicada.
Em entrevista à Folha, Nestor
Goulart Reis falou sobre a necessidade de uma reavaliação histórica
do desenvolvimento urbano do
país no período colonial, detalhou
os objetivos militares de muitos
desses mapas e criticou a falta de
projetos urbanísticos para o país.
Leia abaixo trechos da entrevista.
Folha - Por que as pesquisas
para o livro "Imagens de Vilas e
Cidades do Brasil Colonial" levaram 40 anos?
Nestor Goulart Reis - Eu comecei as minhas pesquisas em 1960 e
fiz minha primeira tese em 1964,
de livre-docência, mostrando que
havia planejamento urbano no
Brasil. Mas o pesquisador nunca
pára. Eu fui encontrando mais
coisas e percebi que era necessário dar continuidade ao trabalho.
Há dez anos, com o apoio da Fapesp, compramos novos aparelhos de reprodução fotográfica e
resolvemos refotografar a pesquisa, então ampliada, em alta resolução.
Há dois anos e meio, quando o
Iphan soube que os portugueses
estavam querendo publicar esse
trabalho por ocasião dos 500
anos, veio aqui, quase como um
protesto, e ofereceu apoio para
que a pesquisa fosse completada e
o trabalho fosse publicado primeiro por aqui.
Folha - Esse material traz novidades sobre a formação e a história do Brasil?
Goulart Reis - Sim. Nesse processo, nós nos demos conta de
que era preciso levar esse material
ao país inteiro, pois cada região
tem seus pesquisadores e historiadores. Seria uma medida de interesse público levar esse material
ao país inteiro, pois a documentação reunida traz uma série de novidades sobre a história do Brasil,
como a existência de planos urbanísticos no período colonial. Alguns desenhos nos ajudam a
compreender os conflitos com os
franceses, holandeses e ingleses.
Eles permitem fazer uma revisão
da história do Brasil com mais detalhes.
Folha - Quais singularidades
as diferenças geográficas nos
diversos Estados e cidades causaram na urbanização?
Goulart Reis - Notamos que,
nos séculos 16 e 17, quando o Brasil era praticamente uma retaguarda rural da Europa, com mais
vida nos engenhos e fazendas, os
conflitos se davam nas vilas e cidades do litoral. Nessa época, o
trabalho dos engenheiros militares era fortalecer as defesas dessas
cidades e desenhá-las para organizar fortificações e planos de
combate. Há um investimento
muito grande de quadros técnicos
no litoral.
No século 18, com o descobrimento das minas, a população
migrou para o interior e criou um
problema novo, pois grande parte
desses territórios estava além da
linha estabelecida pelo Tratado de
Tordesilhas.
Minas Gerais era uma área mais
pacífica do ponto de vista militar
para Portugal e Brasil. Já Mato
Grosso, Goiás e Amazônia estavam todas além da linha do tratado. Havia também muita discussão em torno dos Estados do sul,
de São Paulo até a colônia de Sacramento (atual Uruguai). Colônias recentes, como Ceará e Piauí,
também eram instáveis. Nessas
regiões de conflito é que foram
feitos os grandes investimentos
em projetos urbanísticos no século 18. A Amazônia, por exemplo,
recebeu mais de cem estudos para
pequenas povoações e vilas. Foi
um trabalho gigantesco em pouco
mais de 50 anos.
Folha - Nessas regiões internas, sendo elas também praças
beligerantes, os projetos urbanísticos também não eram destinados às fortificações?
Goulart Reis - Algumas vilas
que estavam nos limites das áreas
conquistadas eram praças fortes.
Mais adentro, o que existia era
uma política de demonstrar a presença da cultura portuguesa. A
preocupação era dar um caráter
português à aparência da cidade,
inclusive para que a população se
sentisse portuguesa.
Folha - A urbanização das vilas
no Brasil colonial definia claramente as diferenças sociais entre sua população?
Goulart Reis - As áreas de comércio em geral ficavam junto ao
porto. Os senhores de engenho ficavam junto às praças, onde estavam os palácios dos governadores, e da casa de câmara, símbolos
do poder da época. No século 18,
com o desenvolvimento do comércio, desenvolveram-se projetos urbanísticos apenas de áreas
comerciais. Os escravos urbanos
moravam nas próprias casas, que
eram seus locais de trabalho.
Até o século 18, os indígenas não
tinham a posse da terra. Estavam
à margem da lei. No século 18,
com a política de integração indígena e consolidação cultural de
Pombal, as ordens religiosas foram afastadas das aldeias indígenas, e os índios foram integrados
às vilas e receberam doações de
terrenos para a construção de
suas casas, nitidamente mais simples que as dos portugueses. Mas
eles nunca foram ignorados.
Fenômenos como favelas e mocambos apareceram só nos séculos 19 e 20. Essa absoluta indiferença em relação às populações
mais pobres nas cidades é mais do
nosso tempo.
Mas, na segunda metade do século 18, quando começaram as
grandes políticas urbanas iluministas, os projetos políticos previam o papel de cada segmento
social dentro da sociedade. Pensa-se em todos os segmentos sociais,
inclusive como forma de controle.
Eles receavam que o aumento da
população de escravos, por exemplo, criasse um clima de revoltas.
Folha - Isso quer dizer que,
guardadas as devidas proporções, vivia-se melhor no Brasil
colonial?
Goulart Reis - Nesse sentido,
sim. Nas condições técnicas da
época, os moradores mais pobres
estavam incluídos nos planos e
melhores do que estamos agora.
Todos os planos urbanísticos do
BNH não atenderam 4% da demanda das camadas pobres das
cidades brasileiras. A situação real
da população pobre do Brasil não
é enfrentada hoje como no século
18. Políticas urbanas não são apenas traçados de sistemas viários.
Folha - O descaso com o planejamento urbano a partir do Império é o responsável pela existência de cidades caóticas, como São Paulo?
Goulart Reis - Caótica e desorganizada, inclusive politicamente,
como estamos vendo agora. Essa
é uma tradição brasileira: valorizar o rural e não valorizar o urbano. Pensam que urbanismo é
abrir estradas. O resto é deixado
ao acaso.
Hoje nós estamos desaparelhados para pensar o Brasil, mas, no
Império, a política da metrópole
se fazia por meio do urbanismo.
O controle do urbanismo configurava toda a política de Portugal.
Folha - Por que uma boa parte
dos desenhos foi realizada por
holandeses?
Goulart Reis - Os objetivos
eram militares. A Coroa portuguesa foi unificada com a espanhola em 1580. Os holandeses estavam brigando com a Espanha e,
portanto, com Portugal e com o
Brasil. Durante anos, esses desenhos foram feitos para serem usados nos ataques holandeses.
Dierick Ruiters, que foi aprisionado aqui, desenhou Salvador,
Rio e Recife e chegou a escrever
um trabalho sobre como as cidades deveriam ser atacadas. Quando os holandeses atacaram a Bahia, em 1624, ele estava no grupo
que desembarcou e fez como havia planejado: atacou pela retaguarda. Em 1630, quando atacaram Recife e Olinda, desceu no
ponto em que havia descrito. Ele
funcionou como um espião.
Os objetivos de holandeses,
franceses e ingleses também eram
militares. Não era por bondade
ou colaboração que eles desenhavam as cidades. A admiração paisagística só aparece no fim do século 18 e começo do século 19, depois da chegada de d. João 6º. Boa
parte dos desenhos feitos pelos
não portugueses era feita pelo
mar. Eles estavam nos navios.
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