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ANÁLISE
Conflito no Iraque desmistifica a televisão
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A guerra do Iraque vem
sendo considerada como o
conflito mais televisivo da história. Talvez essa seja das poucas
certezas possíveis sobre o andar
do enfrentamento.
Longe do eixo bipolar do "bem"
contra o "mal" que as lideranças
de ambos os lados procuram impor, a relativa diversidade de fontes, sempre parciais, deixa entrever a complexidade explosiva da
cena contemporânea.
Fragmentos de guerra saturam
a telinha. Manifestações civis pacifistas em diversas cidades ao redor do globo foram incorporadas
ao noticiário de todo dia.
Na cobertura ocidental, vozes
em "off" narram avanços de tanques e tropas no deserto, tempestades de areia, pedaços de cidade
destruída não se sabe ao certo por
"erro" de quem. Repórteres "in
loco" narram a experiência terrível da guerra de fato, uma visita
ao inferno.
Na cobertura da TV oriental independente Al Jazeera, aparece
algum detalhe da violência da
guerra, corpos destroçados. O
que resta da TV iraquiana conclama à resistência. Quase duas semanas após o início do ataque anglo-americano, o mundo assiste
siderado, ao vivo e em tempo real,
a um fluxo quase contínuo de informações desencontradas.
Ficamos nos perguntando como é possível que Bagdá continue
lá aparentemente intacta, na mira
daquela câmera parada 24h por
dia, depois de ser atingida por
tantos bombardeios. A cobertura
televisiva foi cuidadosamente
preparada. Mas, assim como a
campanha militar, sofre os reveses inesperados do confronto real.
A divulgação de imagens dos
horrores da guerra não interessa
nem aos iraquianos, empenhados
em demonstrar que resistem,
nem aos americanos e ingleses,
ciosos de seu compromisso com
uma guerra cirúrgica. Horrores
possuem algum poder de choque
sobre a temida, disputada e instável opinião pública.
A TV, em geral, legitima seu discurso em torno da aparência de
realidade de suas imagens. Ela seria capaz de oferecer "a vida como
ela é", para usar um bordão do extinto "Aqui, Agora". A cobertura
do atual conflito questiona essa
pretensão de verdade. Jornalistas
advertem o público para que desconfie do que vê. Repórteres no
"Jornal Nacional" falaram na
abundância de "informações contraditórias". No "TJ Brasil", Boris
Casoy encorajou o público a
questionar as informações recebidas, muitas vezes produzidas por
jornalistas comprometidos com o
Exército de seus países.
Sem querer, o conflito mais televisivo da história desmistifica a
TV ao estimular o reconhecimento coletivo de que imagens são
construídas.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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