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São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

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Modificações de games e banners de internet ganham espaço no meio artístico e rendem até mesmo exposições on-line

Arte em jogo

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

À incansável pergunta "O que é arte?" o escultor americano David Smith (1906-1965) certa vez respondeu: "Eu acho que deveríamos simplesmente deixá-la ser o que o artista diz que é". E, para a curadora e hacker cultural Anne-Marie Schleiner, não restam dúvidas: videogame também é arte.
"Considerar "games designers" artistas é como dizer que diretores de cinema são artistas, ainda que, claro, eles trabalhem com outros especialistas talentosos para produzir um filme", diz Schleiner, idealizadora, entre outros, do projeto "Velvet-Strike" (www.opensorcery.net/velvet-strike), que promove intervenções em um dos mais populares jogos da atualidade, o "Counter-Strike".
A proposta é mais simples do que pode parecer: com um relativo conhecimento de informática, o "artista popular digital", como se refere Schleiner, altera a programação original do jogo para que ele funcione com cenários e personagens inesperados e em seguida os disponibiliza na rede ou em CD para as pessoas que queiram instalá-los em suas próprias máquinas. A isso dá-se o nome de "patches" ou "modificações".
Em "Velvet-Strike", por exemplo, as paredes do polícia-e-ladrão virtual "Counter-Strike", jogo de tiro em que paramilitares combatem um grupo de terroristas, são invadidas (modificadas) por "pichações" na linha de faça amor, não faça guerra.
Em resposta à guerra no Iraque, Schleiner e o grupo de webartistas Banner Art Collective (www.bannerart.org) ocupam-se agora da campanha "Banner-Strike", um chamado à comunidade da web para produzir banners com imagens do conflito. A idéia é reuni-los às "pichações" de "Velvet-Strike" em uma exposição em abril.
A febre das modificações no cyberespaço acontece desde meados dos anos 90 e já proporcionou, entre outras aberrações, uma versão com Osama bin Laden para o popular game "The Sims", uma galeria de quadros de Miró para substituir os cenários do ultraviolento "Castle Wolfenstein", uma Lara Croft nua em pêlo para o hit "Tomb Raider" e até um jogo inteiro com Walt Disney tentando dominar o mundo.
É arte mesmo? "Como curadora, estou interessada na noção de arte como hackeamento cultural, arte com um viés crítico que extrapole as fronteiras do público tradicional de arte e atinja um espectro mais amplo", argumenta Schleiner, que, em 1999, curou a exposição "Cracking the Maze" (switch.sjsu.edu/CrackingtheMaze), com modificações para jogos como "Doom" e "Quake".
"Talvez você possa traçar um paralelo do hacker cultural com os dadaístas, por exemplo, no qual em uma era gutemberguiana, pré-internet, os artistas tomavam parte em uma relação antiautoritária com textos de jornais, destruindo-os e rearranjando-os de maneiras irônicas."
Outra vez: modificar um game ou um banner de internet, naturalmente identificados a uma poderosa e bilionária indústria de entretenimento, é arte.
Ainda se desconsiderarmos o caráter engajado da proposta de hackeamento cultural de Schleiner, as fronteiras entre games e arte de entretenimento confundem-se cada vez mais com o avanço da tecnologia dos consoles e das ferramentas de animação de personagens. A revista francesa "Cahiers du Cinéma", em setembro passado, dedicou uma edição inteira ao assunto. Em outros tempos o impressionista Camille Pissarro (1830-1903) poderia ter engrossado o coro: "É um grande erro acreditar que um suporte artístico não esteja intimamente ligado ao tempo a que pertence". E o século 21 é o tempo dos games.


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