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Modificações de games e banners de internet ganham espaço no meio artístico e rendem até mesmo exposições on-line
Arte em jogo
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
À incansável pergunta "O que é
arte?" o escultor americano David
Smith (1906-1965) certa vez respondeu: "Eu acho que deveríamos simplesmente deixá-la ser o
que o artista diz que é". E, para a
curadora e hacker cultural Anne-Marie Schleiner, não restam dúvidas: videogame também é arte.
"Considerar "games designers"
artistas é como dizer que diretores de cinema são artistas, ainda
que, claro, eles trabalhem com
outros especialistas talentosos para produzir um filme", diz Schleiner, idealizadora, entre outros, do
projeto "Velvet-Strike" (www.opensorcery.net/velvet-strike),
que promove intervenções em
um dos mais populares jogos da
atualidade, o "Counter-Strike".
A proposta é mais simples do
que pode parecer: com um relativo conhecimento de informática,
o "artista popular digital", como
se refere Schleiner, altera a programação original do jogo para
que ele funcione com cenários e
personagens inesperados e em seguida os disponibiliza na rede ou
em CD para as pessoas que queiram instalá-los em suas próprias
máquinas. A isso dá-se o nome de
"patches" ou "modificações".
Em "Velvet-Strike", por exemplo, as paredes do polícia-e-ladrão virtual "Counter-Strike", jogo de tiro em que paramilitares
combatem um grupo de terroristas, são invadidas (modificadas)
por "pichações" na linha de faça
amor, não faça guerra.
Em resposta à guerra no Iraque,
Schleiner e o grupo de webartistas
Banner Art Collective (www.bannerart.org) ocupam-se agora da
campanha "Banner-Strike", um
chamado à comunidade da web
para produzir banners com imagens do conflito. A idéia é reuni-los às "pichações" de "Velvet-Strike" em uma exposição em abril.
A febre das modificações no
cyberespaço acontece desde meados dos anos 90 e já proporcionou, entre outras aberrações,
uma versão com Osama bin Laden para o popular game "The
Sims", uma galeria de quadros de
Miró para substituir os cenários
do ultraviolento "Castle Wolfenstein", uma Lara Croft nua em pêlo
para o hit "Tomb Raider" e até
um jogo inteiro com Walt Disney
tentando dominar o mundo.
É arte mesmo? "Como curadora, estou interessada na noção de
arte como hackeamento cultural,
arte com um viés crítico que extrapole as fronteiras do público
tradicional de arte e atinja um espectro mais amplo", argumenta
Schleiner, que, em 1999, curou a
exposição "Cracking the Maze"
(switch.sjsu.edu/CrackingtheMaze), com modificações para jogos como "Doom" e "Quake".
"Talvez você possa traçar um
paralelo do hacker cultural com
os dadaístas, por exemplo, no
qual em uma era gutemberguiana, pré-internet, os artistas tomavam parte em uma relação antiautoritária com textos de jornais, destruindo-os e rearranjando-os de maneiras irônicas."
Outra vez: modificar um game
ou um banner de internet, naturalmente identificados a uma poderosa e bilionária indústria de
entretenimento, é arte.
Ainda se desconsiderarmos o
caráter engajado da proposta de
hackeamento cultural de Schleiner, as fronteiras entre games e arte de entretenimento confundem-se cada vez mais com o avanço da
tecnologia dos consoles e das ferramentas de animação de personagens. A revista francesa "Cahiers du Cinéma", em setembro
passado, dedicou uma edição inteira ao assunto. Em outros tempos o impressionista Camille Pissarro (1830-1903) poderia ter engrossado o coro: "É um grande erro acreditar que um suporte artístico não esteja intimamente ligado ao tempo a que pertence". E o
século 21 é o tempo dos games.
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