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CRÍTICA/"VIOLAÇÃO DE PRIVACIDADE"
Diretor insere política em ficção familiar
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A história e a política são temas grandes demais para caber numa sala ou num quarto?
Depende do tamanho da ambição. Uma resposta ao mesmo
tempo modesta e de impacto é a
do italiano Saverio Costanzo em
"Violação de Privacidade".
O filme retoma o "plot" clássico
de "Horas de Desespero", em que
uma família é tomada por bandidos como refém dentro de casa. O
thriller, que já teve duas versões
nos EUA, a primeira dirigida por
William Wyler em 1955, a segunda, por Michael Cimino em 1990,
reaparece também sob disfarce
em "Firewall - Segurança em Risco", atualmente em cartaz.
Em "Violação de Privacidade",
é a vez de uma família palestina
ver sua casa ser invadida por um
comando militar israelense. O
pai, um professor de literatura
com uma fé arraigada em valores
humanistas, recusa-se tanto a
abandonar sua terra ("ser refugiado não é ser", ele declara na primeira cena) quanto a enfrentar os
invasores com violência. Opta pela resistência passiva e a impõe a
toda a família. Esta, por sua vez, só
vê mais e mais violências para onde quer que busque saídas.
Acuados no andar de baixo da
casa, seus integrantes vão produzir, cada um a seu modo, uma linha de fuga. Marian, a filha mais
velha, cava um espaço no qual
passa a espionar os hábitos dos
invasores. O adolescente Jamal
converte-se em prototerrorista.
As duas crianças entregam-se à
lógica infantil do medo, com seus
mutismos e fantasmas.
Um material rico em possibilidades dramáticas mas também
carregado demais de ameaças
simbólicas poderia acabar em desastre nas mãos de um diretor que
tentasse significar demais. No seu
longa de estréia na ficção, Costanzo se aplica com inteligência a
abafar tudo que soe sensacional.
A opção pelo minimalismo funciona com extremo acerto.
Em vez de enfatizar uma interpretação alegórica da invasão, o
diretor escolhe uma alternativa
mais realista. Filma em digital,
com câmera na mão e pouca luz.
Reduz os confrontos físicos e verbais a um mínimo e concentra a
violência neles sob a forma de
ameaça. Evita o espetáculo de explosões e assassinatos e não mostra nenhuma gota de sangue em
cena. Um longo tiroteio, por
exemplo, só é ouvido. Corpos em
fuga no escuro traduzem com
exatidão a experiência do terror.
A escolha permite que capture
com acuidade as transformações
no interior da casa e da família e
as metamorfoses provocadas
quando se interage com a violência. Em vez de descrever um tratado teórico sobre o terror de Estado, Costanzo consegue muito
mais limitando-se a um campo de
observações cotidianas.
Ao fazê-lo, insere a política e a
história no quadro de uma ficção
familiar, humaniza os conflitos e
dá alma a personagens antes condenados ao anonimato das redes
noticiosas de TV.
Violação de Privacidade
Private
Produção: Itália, 2004
Direção: Saverio Costanzo
Com: Mohammed Bakri, Lior Miller
Quando: em cartaz nos cines Bombril, Frei Caneca e Reserva Cultural
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