São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 2006

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CRÍTICA/"VIOLAÇÃO DE PRIVACIDADE"

Diretor insere política em ficção familiar

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A história e a política são temas grandes demais para caber numa sala ou num quarto? Depende do tamanho da ambição. Uma resposta ao mesmo tempo modesta e de impacto é a do italiano Saverio Costanzo em "Violação de Privacidade".
O filme retoma o "plot" clássico de "Horas de Desespero", em que uma família é tomada por bandidos como refém dentro de casa. O thriller, que já teve duas versões nos EUA, a primeira dirigida por William Wyler em 1955, a segunda, por Michael Cimino em 1990, reaparece também sob disfarce em "Firewall - Segurança em Risco", atualmente em cartaz.
Em "Violação de Privacidade", é a vez de uma família palestina ver sua casa ser invadida por um comando militar israelense. O pai, um professor de literatura com uma fé arraigada em valores humanistas, recusa-se tanto a abandonar sua terra ("ser refugiado não é ser", ele declara na primeira cena) quanto a enfrentar os invasores com violência. Opta pela resistência passiva e a impõe a toda a família. Esta, por sua vez, só vê mais e mais violências para onde quer que busque saídas.
Acuados no andar de baixo da casa, seus integrantes vão produzir, cada um a seu modo, uma linha de fuga. Marian, a filha mais velha, cava um espaço no qual passa a espionar os hábitos dos invasores. O adolescente Jamal converte-se em prototerrorista. As duas crianças entregam-se à lógica infantil do medo, com seus mutismos e fantasmas.
Um material rico em possibilidades dramáticas mas também carregado demais de ameaças simbólicas poderia acabar em desastre nas mãos de um diretor que tentasse significar demais. No seu longa de estréia na ficção, Costanzo se aplica com inteligência a abafar tudo que soe sensacional. A opção pelo minimalismo funciona com extremo acerto.
Em vez de enfatizar uma interpretação alegórica da invasão, o diretor escolhe uma alternativa mais realista. Filma em digital, com câmera na mão e pouca luz. Reduz os confrontos físicos e verbais a um mínimo e concentra a violência neles sob a forma de ameaça. Evita o espetáculo de explosões e assassinatos e não mostra nenhuma gota de sangue em cena. Um longo tiroteio, por exemplo, só é ouvido. Corpos em fuga no escuro traduzem com exatidão a experiência do terror.
A escolha permite que capture com acuidade as transformações no interior da casa e da família e as metamorfoses provocadas quando se interage com a violência. Em vez de descrever um tratado teórico sobre o terror de Estado, Costanzo consegue muito mais limitando-se a um campo de observações cotidianas.
Ao fazê-lo, insere a política e a história no quadro de uma ficção familiar, humaniza os conflitos e dá alma a personagens antes condenados ao anonimato das redes noticiosas de TV.


Violação de Privacidade
Private
   
Produção: Itália, 2004
Direção: Saverio Costanzo
Com: Mohammed Bakri, Lior Miller
Quando: em cartaz nos cines Bombril, Frei Caneca e Reserva Cultural


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