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Crítica/antologia
Compilação traz críticas "radicais" de Lúcio Rangel
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Radicalismo e idiossincrasias são deformações que qualquer crítico de arte deve evitar na prática
de seu ofício. Um dos pioneiros
na crítica de música popular no
país, o carioca Lúcio Rangel
(1914-79) padecia desses males,
mas sua paixão pela música, expressa em uma escrita direta e
bem-humorada, era capaz de
seduzir até quem não compartilhava de suas opiniões.
Dispersos por vários jornais
e revistas do Rio e de São Paulo,
entre os anos 50 e 70, os escritos de Rangel podem enfim ser
reapreciados, na antologia
"Samba, Jazz & Outras Notas".
A seleção dos textos é assinada
pelo jornalista Sérgio Augusto,
que também traça, a título de
introdução, um saboroso perfil
do autor, essencial para contextualizar suas idéias.
Boêmio inveterado, Rangel
conviveu tanto com músicos e
compositores que admirava,
como Pixinguinha, Cartola e
Jacob do Bandolim, como com
intelectuais e escritores do porte de Mário de Andrade, Jorge
Amado, Manuel Bandeira e
Graciliano Ramos.
Numa tarde de 1956, bebericando no bar Villarino, encontrou Vinicius de Moraes, aflito
em busca de um parceiro para
finalizar o musical "Orfeu da
Conceição". Resolveu a questão
no ato: chamou Tom Jobim,
numa mesa ao lado, e o apresentou ao poeta. Ao deflagrar
uma das parcerias mais brilhantes da MPB, Rangel tornou-se, ironicamente, personagem da história da bossa nova,
que sempre rejeitou.
Ironia
Purista ao extremo, era avesso à natural mutação dos gêneros musicais. Assim como desprezava a modernização do
samba sintetizada pelos bossa-novistas, jamais aceitou que o
jazz de Nova Orleans, outra de
suas paixões, pudesse evoluir
para o swing, muito menos para o bebop. Não à toa, idolatrava Pixinguinha e Louis Armstrong, presentes em vários de
seus artigos, como ícones de
uma idealizada pureza na música popular.
Mesmo que suas críticas descambem para opiniões dogmáticas, é difícil resistir a seu humor e ironia ferinos. Rangel
não perdoa, por exemplo, o influente crítico francês Hughes
Panassié (também um defensor purista do jazz tradicional)
por ter revisto algumas de suas
opiniões. "Gosta de tudo. É como se gostar de [Paul] Valéry e
de J.G de Araújo Jorge ao mesmo tempo", ironiza.
Essa visão conservadora explica porque, nos textos de
Rangel, se encontram tantas
menções ao "verdadeiro samba" ou ao "jazz de verdade".
Músicos que não seguiam suas
formas estéticas, como o cantor
pré-bossa nova Dick Farney
("um Bing Crosby de Cascadura"), a dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho ("eta que ocês
são chatos!") ou o jazzista Duke
Ellington ("xaroposo"), jamais
saíam ilesos de suas críticas.
Curiosa também era a obsessão de Rangel por apontar erros
de informação veiculados por
outros jornalistas, como se fosse um ombudsman informal. O
jazzófilo Roberto Corte Real e o
pesquisador Ary Vasconcelos
foram alguns de seus alvos, em
artigos que indicam seu rigor
no tratamento das informações.
Nem sempre próximo do padrão ideal de crítica isenta,
Rangel compensava suas idiossincrasias com a vasta cultura
musical que enriquecia seus escritos. Não deixa de ser um
exemplo para os que ainda pensam em se dedicar a essa modalidade jornalística em extinção.
SAMBA, JAZZ & OUTRAS NOTAS
Autor: Lúcio Rangel
Editora: Agir
Quanto: R$ 49,90 (240 págs.)
Avaliação: Bom
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