São Paulo, terça-feira, 31 de março de 2009

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Soco na mesmice

Em álbum duplo surpreendente, Romulo Fróes une guitarras às letras dos artistas plásticos Clima e Nuno Ramos, com referências que vão do samba ao tropicalismo

Leonardo Wen/Folha Imagem
O músico Romulo Fróes, 38, autor de ‘Calado’ (2004) e ‘Cão’ (2006), lança agora o CD duplo ‘No Chão sem o Chão’, com participações de músicos como André Mehmari, Bocato e Lanny Gordin

MARCUS PRETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Romulo Fróes, 38, nunca se ouviu no rádio. Espera o dia em que, andando na rua, vá escutar ao acaso a própria voz saindo das caixas de som de alguma loja, dentro da programação normal das emissoras. Apesar disso, "No Chão sem o Chão", CD duplo que ele lança agora, não gasta nenhum dos seus quase 120 minutos tentando facilitar esse caminho. Ao contrário.
Nada em suas 33 faixas segue as "fórmulas infalíveis" das paradas de sucesso. Ao mesmo tempo em que constrói um dos álbuns mais ousados da música brasileira recente, o autor dos já certeiros "Calado" (2004) e "Cão" (2006) dá um salto artístico particular inacreditável. "Este [novo] disco foi muito influenciado por situações de shows. Como eu tinha que ser ouvido no palco, pluguei a guitarra. Pelo mesmo motivo, os caras do samba que me acompanhavam antes começaram a não ficar mais a fim de tocar comigo. E os do rock se aproximaram."
Não só os roqueiros. Artistas de várias escolas comparecem no CD, como, entre outros, o pianista André Mehmari, o guitarrista Lanny Gordin, o trompetista Bocato, as pastoras da Velha Guarda da Nenê de Vila Matilde, as cantoras Mariana Aydar e Andreia Dias. O álbum, aliás, torna mais impalpável a linha entre o Romulo sambista e o Romulo indie, espécie de dupla personalidade apontada pela crítica em trabalhos anteriores. Ele próprio renega os rótulos. "Isso de sambista pegou mal. Não tenho nada a ver com resgate de samba de raiz e acharam que eu fazia parte disso", conta. "Por outro lado, essa noção mais comum de artista indie também não combina comigo", continua. "Todas as minhas influências musicais vêm de dentro do Brasil, de coisas que já foram feitas aqui. O Radiohead não me ensinou absolutamente nada. Nem o Joy Division, que eu amo, nem o New Order."

Estranheza
De todo modo, "No Chão Sem o Chão" tem menos chances de ser enquadrado na prateleira do samba que na do rock. "Eu tinha composto uns sambinhas tristes, e os caras colocaram guitarra, baixo e bateria", diz, referindo-se aos músicos Guilherme Held, Fabio Sá e Curumin. "São arranjos de banda em músicas que não foram pensadas praquilo. Tem uns solos que parecem não ter muita função, umas guitarras que não acabam mais. Essa coisa estranha me influenciou na composição das outras músicas." E a estranheza do trabalho não está apenas em seu instrumental. As letras, dos artistas plásticos Clima e Nuno Ramos, colaboram muito para essa sensação. Quase sempre herméticas, fazem referências ao samba clássico de Monsueto a Nelson Cavaquinho e até ao tropicalismo. Dá para notar que os letristas jamais entregam o sentido exato do que querem dizer. Como se estivessem pintando telas, preferem deixar que as palavras sugiram imagens ao ouvinte. Como Fróes, eles parecem não se importar muito com o que vão pensar as estações de rádio.

NO CHÃO SEM O CHÃO
Artista: Romulo Fróes
Lançamento: YB
Quanto: R$ 25 (álbum duplo)
Avaliação: ótimo



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