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Crítica/cinema/"Moscou"
Coutinho retorna ao teatro para entender como nasce a ficção
Documentário híbrido, exibido hoje no É Tudo Verdade, acompanha com mestria um ensaio de peça de Tchekov
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Espinha dorsal de "Jogo
de Cena" (2007), o flerte de Eduardo Coutinho com o teatro se torna namoro firme em "Moscou". Com
isso, o diretor prossegue em sua
caminhada tangencial à ficção,
de acordo com o formato híbrido que já experimentara em
seu filme mais célebre, "Cabra
Marcado para Morrer" (1984).
Desde então, seus filmes são
inquietas explorações das confluências e dos contrastes entre
duas constantes que caracterizam o documentário: é tudo
verdade -como observa o título do longa inacabado de Orson
Welles que o festival adotou como nome-, mas, ao mesmo
tempo, é tudo representação.
Investigar as máscaras que
vestimos para compor nossos
papéis e os discursos que usamos para convencer os outros
de que somos quem acreditamos ser (ou talvez nem mesmo
acreditemos, mas queiramos
ser) está na raiz de "Santo Forte" (1999) e "Edifício Master"
(2002), entre outros.
Em "Jogo de Cena", a estratégia de construção de personagens -que passa a incluir
palco e atrizes profissionais-
cria uma espécie de labirinto a
partir da sobreposição de camadas de representação, das
quais o espectador só toma
consciência quando uma história se repete pela primeira vez.
Na abertura de "Moscou", a
impressão é a de que estamos
no mesmo território de incertezas e de ambiguidades. Um
homem nos mostra uma foto,
que diz ser da capital russa, e fala sobre a sua experiência pessoal com aquele cenário -a
dor, por exemplo, de retornar
ao local e ver destruído o cinema que frequentava.
Dessa vez, no entanto, a caixa-preta está aberta. Coutinho
entra em cena para explicar o
princípio do jogo: um texto de
ficção ("As Três Irmãs", de
Tchekov), um grupo de teatro
profissional (o Galpão, de Belo
Horizonte), um diretor escolhido a partir de indicações dos
atores (Enrique Díaz).
Terreno seguro? Em termos.
Em três semanas de ensaios,
não é propriamente a peça que
se ergue; enquanto o elenco caminha em direção a uma tentativa de montagem, com leitura
de cenas, laboratórios e outros
recursos, o filme -ele, sim, a
autêntica obra em progresso-
se transforma em voyeur.
A personalidade de "Moscou", com suas câmeras espalhadas por salas de trabalho, camarins e qualquer outro lugar
onde haja um ator, se assemelha à de uma criança que procura entender de onde nasce a ficção, por que ela mexe conosco
de acordo com parâmetros singulares, e por que há tanta verdade na representação.
MOSCOU
Direção: Eduardo Coutinho
Quando: em SP: hoje, às 21h, amanhã,
às 15h, e quinta (2), às 17h, no Cinesesc;
no Rio: amanhã, às 20h, quinta (2), às
14h e às 22h, no Unibanco Arteplex
Avaliação: ótimo
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