São Paulo, terça-feira, 31 de março de 2009

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Crítica/cinema/"Moscou"

Coutinho retorna ao teatro para entender como nasce a ficção

Documentário híbrido, exibido hoje no É Tudo Verdade, acompanha com mestria um ensaio de peça de Tchekov

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Espinha dorsal de "Jogo de Cena" (2007), o flerte de Eduardo Coutinho com o teatro se torna namoro firme em "Moscou". Com isso, o diretor prossegue em sua caminhada tangencial à ficção, de acordo com o formato híbrido que já experimentara em seu filme mais célebre, "Cabra Marcado para Morrer" (1984). Desde então, seus filmes são inquietas explorações das confluências e dos contrastes entre duas constantes que caracterizam o documentário: é tudo verdade -como observa o título do longa inacabado de Orson Welles que o festival adotou como nome-, mas, ao mesmo tempo, é tudo representação. Investigar as máscaras que vestimos para compor nossos papéis e os discursos que usamos para convencer os outros de que somos quem acreditamos ser (ou talvez nem mesmo acreditemos, mas queiramos ser) está na raiz de "Santo Forte" (1999) e "Edifício Master" (2002), entre outros.
Em "Jogo de Cena", a estratégia de construção de personagens -que passa a incluir palco e atrizes profissionais- cria uma espécie de labirinto a partir da sobreposição de camadas de representação, das quais o espectador só toma consciência quando uma história se repete pela primeira vez. Na abertura de "Moscou", a impressão é a de que estamos no mesmo território de incertezas e de ambiguidades. Um homem nos mostra uma foto, que diz ser da capital russa, e fala sobre a sua experiência pessoal com aquele cenário -a dor, por exemplo, de retornar ao local e ver destruído o cinema que frequentava. Dessa vez, no entanto, a caixa-preta está aberta. Coutinho entra em cena para explicar o princípio do jogo: um texto de ficção ("As Três Irmãs", de Tchekov), um grupo de teatro profissional (o Galpão, de Belo Horizonte), um diretor escolhido a partir de indicações dos atores (Enrique Díaz).
Terreno seguro? Em termos. Em três semanas de ensaios, não é propriamente a peça que se ergue; enquanto o elenco caminha em direção a uma tentativa de montagem, com leitura de cenas, laboratórios e outros recursos, o filme -ele, sim, a autêntica obra em progresso- se transforma em voyeur. A personalidade de "Moscou", com suas câmeras espalhadas por salas de trabalho, camarins e qualquer outro lugar onde haja um ator, se assemelha à de uma criança que procura entender de onde nasce a ficção, por que ela mexe conosco de acordo com parâmetros singulares, e por que há tanta verdade na representação.



MOSCOU
Direção: Eduardo Coutinho
Quando: em SP: hoje, às 21h, amanhã, às 15h, e quinta (2), às 17h, no Cinesesc; no Rio: amanhã, às 20h, quinta (2), às 14h e às 22h, no Unibanco Arteplex
Avaliação: ótimo




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