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São Paulo, sábado, 31 de maio de 2003

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'DE ANCHIETA AOS CONCRETOS'

Obra compila textos publicados em jornal

Faustino deixa assinalada na imprensa seriedade da poesia

FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A face pública e militante do poeta-crítico piauiense Mário Faustino (1930-1962) cresceu no rastro do tumultuado casamento entre poesia e jornal, duas naturezas antípodas, em tese, que prosseguem juntas reconciliadas à força pelos amigos comuns.
Em meio à agitação promissora do fim dos anos 50, Faustino criou e sustentou uma página célebre no Suplemento Dominical do "Jornal do Brasil", exclusivamente dedicada à discussão de poesia.
O resultado pode ser avaliado em "De Anchieta aos Concretos", segundo volume de suas obras completas, organizadas por Maria Eugênia Boaventura, que mostra exemplarmente o que foi "Poesia-Experiência", publicada entre setembro de 1956 e janeiro de 1959.
Lá, o leitor vai encontrar a disposição onívora do jovem crítico, bem formado, atirando em todas as direções, apostando numa intervenção quase terrorista para alargar o horizonte do debate literário local. As armas eram emprestadas do método poundiano: a tradução como crítica e a citação como procedimento de base.
A ambição máxima, para o bem e para o mal, refletia-se no amplo espectro de autores abordados (cobrindo a totalidade da história literária brasileira, como indica o título do volume, e ocidental, com ênfase na modernidade) e na variedade de seções da página, voltadas simultaneamente para uma divulgação dos clássicos, locais ou não, para a discussão de poéticas das mais variadas e da produção contemporânea.
Na tranquilidade da releitura atual, longe do clima polêmico e repleto de promessas do país naqueles anos, o salto para o livro destaca virtudes e vícios que o calor da hora disfarçava. A pressa e a coragem críticas ficam ainda mais evidentes, vazadas em um estilo repleto de juízos taxativos, impossíveis de fundamentar melhor ou detalhar na concisão do jornal.
Essa pontificação traduzia uma necessária impaciência com o diletantismo desinformado ou a ação entre amigos, dominantes na recepção jornalística da poesia.
No entanto também levava a quadros estrategicamente caricatos, fazendo tábula rasa, por exemplo, da excelente crítica de rodapé contemporânea, no empenho legítimo de criar o próprio espaço, renovador (quando reconheceu de imediato a importância do grupo concretista), ou reclamando um Drummond mais atuante na vida literária propriamente dita.
Certamente os avanços da recepção crítica especializada, o deslocamento do debate para novos espaços (como a universidade e as várias revistas de poesia), levam-nos a rejeitar aspectos essenciais de sua versão interessada da história da poesia brasileira (como a equivocada valorização da originalidade na leitura da poesia colonial, por exemplo).
Hoje, sorrimos diante da grandiloquência messiânica, mais do que ocasional, do estilo e de algumas das apostas em nomes novos. Nada mais leviano. Faustino pagava o preço dessa exposição conscientemente, e o saldo foi uma conquista: assinalar publicamente, em território acolhedor, mas veladamente hostil, o jornal, a seriedade do assunto a que dedicou a breve vida, a poesia.
O leitor jovem ainda encontrará nele um propiciador de encontros, um rascunhador de possibilidades entrevistas, um semeador, enfim.


Fábio de Souza Andrade é professor de teoria literária na USP, autor de "Samuel Beckett - O Silêncio Possível" (Ateliê) e "O Engenheiro Noturno - A Lírica Final de Jorge de Lima" (Edusp)

De Anchieta aos Concretos: Poesia Brasileira no Jornal
   
Autor: Mário Faustino
Organizadora: Maria Eugênia Boaventura
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (542 págs.)


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