|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
'DE ANCHIETA AOS CONCRETOS'
Obra compila textos publicados em jornal
Faustino deixa assinalada na imprensa seriedade da poesia
FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
ESPECIAL PARA A FOLHA
A face pública e militante do
poeta-crítico piauiense Mário Faustino (1930-1962) cresceu
no rastro do tumultuado casamento entre poesia e jornal, duas
naturezas antípodas, em tese, que
prosseguem juntas reconciliadas
à força pelos amigos comuns.
Em meio à agitação promissora
do fim dos anos 50, Faustino criou
e sustentou uma página célebre
no Suplemento Dominical do
"Jornal do Brasil", exclusivamente dedicada à discussão de poesia.
O resultado pode ser avaliado
em "De Anchieta aos Concretos",
segundo volume de suas obras
completas, organizadas por Maria Eugênia Boaventura, que mostra exemplarmente o que foi
"Poesia-Experiência", publicada
entre setembro de 1956 e janeiro
de 1959.
Lá, o leitor vai encontrar a disposição onívora do jovem crítico,
bem formado, atirando em todas
as direções, apostando numa intervenção quase terrorista para
alargar o horizonte do debate literário local. As armas eram emprestadas do método poundiano:
a tradução como crítica e a citação
como procedimento de base.
A ambição máxima, para o bem
e para o mal, refletia-se no amplo
espectro de autores abordados
(cobrindo a totalidade da história
literária brasileira, como indica o
título do volume, e ocidental, com
ênfase na modernidade) e na variedade de seções da página, voltadas simultaneamente para uma
divulgação dos clássicos, locais ou
não, para a discussão de poéticas
das mais variadas e da produção
contemporânea.
Na tranquilidade da releitura
atual, longe do clima polêmico e
repleto de promessas do país naqueles anos, o salto para o livro
destaca virtudes e vícios que o calor da hora disfarçava. A pressa e a
coragem críticas ficam ainda mais
evidentes, vazadas em um estilo
repleto de juízos taxativos, impossíveis de fundamentar melhor ou
detalhar na concisão do jornal.
Essa pontificação traduzia uma
necessária impaciência com o diletantismo desinformado ou a
ação entre amigos, dominantes
na recepção jornalística da poesia.
No entanto também levava a
quadros estrategicamente caricatos, fazendo tábula rasa, por
exemplo, da excelente crítica de
rodapé contemporânea, no empenho legítimo de criar o próprio
espaço, renovador (quando reconheceu de imediato a importância do grupo concretista), ou reclamando um Drummond mais
atuante na vida literária propriamente dita.
Certamente os avanços da recepção crítica especializada, o
deslocamento do debate para novos espaços (como a universidade
e as várias revistas de poesia), levam-nos a rejeitar aspectos essenciais de sua versão interessada da
história da poesia brasileira (como a equivocada valorização da
originalidade na leitura da poesia
colonial, por exemplo).
Hoje, sorrimos diante da grandiloquência messiânica, mais do
que ocasional, do estilo e de algumas das apostas em nomes novos.
Nada mais leviano. Faustino pagava o preço dessa exposição
conscientemente, e o saldo foi
uma conquista: assinalar publicamente, em território acolhedor,
mas veladamente hostil, o jornal,
a seriedade do assunto a que dedicou a breve vida, a poesia.
O leitor jovem ainda encontrará
nele um propiciador de encontros, um rascunhador de possibilidades entrevistas, um semeador,
enfim.
Fábio de Souza Andrade é professor
de teoria literária na USP, autor de "Samuel Beckett - O Silêncio Possível" (Ateliê) e "O Engenheiro Noturno - A Lírica Final de Jorge de Lima" (Edusp)
De Anchieta aos Concretos: Poesia Brasileira no Jornal
Autor: Mário Faustino
Organizadora: Maria Eugênia
Boaventura
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (542 págs.)
Texto Anterior: "A arte do romance": Leituras do leitor do leitor de si mesmo, ou a arte da ruína Próximo Texto: 'Mar e moto'/'Dicionário Laban': Imagens e palavras percorrem conceitos de Rudolf Laban Índice
|