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FESTA LITERÁRIA DE PARATI
O historiador Eric Hobsbawm fala sobre literatura e o futuro da humanidade
'Não olho com esperança os próximos anos'
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Eric Hobsbawm sempre diz, citando seu colega francês Fernand
Braudel (1902-85), que um historiador nunca está de folga. Esse é
claramente seu caso também.
Aos 86 anos, um dos intelectuais mais prestigiados do planeta
faz história todos os minutos. Até
à beira da piscina do Copacabana
Palace, no Rio, onde descansava,
ontem, antes de viajar para Parati,
para uma palestra amanhã na Flip, onde veio
convidado pela Companhia das
Letras.
Basta um minuto de desatenção
do repórter, e o corpo esquálido
do historiador britânico sai em
disparada atrás de um "International Herald Tribune", para
acompanhar a história de agora.
É um pouco sobre ela, e também sobre a história do futuro,
que o autor da historiografia mais
influente sobre os últimos 400
anos (em quatro volumes, finalizados com "A Era dos Extremos",
em 1995) falou com a Folha, em
uma mesa onde descansavam algumas anotações suas.
Leia a seguir trechos de conversa com o "everready", termo que
poderia ser traduzido por "semprepronto", Eric Hobsbawm.
Folha - O sr. é filho de uma escritora, mas não costuma falar muito
sobre literatura. Como atração de
um festival literário, o que sr. falaria sobre a importância desse gênero em sua formação?
Eric Hobsbawm - Literatura é
muito importante na minha vida.
Pertenço a uma geração que tinha
a literatura como centro de sua
educação. Aos historiadores marxistas, como eu, a literatura foi
particularmente importante. Foi
por ela que muitos chegamos à
história. Não significa que eu seja
uma pessoa literária. Historiadores não inventam coisas.
Folha - O sr. já fez ficção?
Hobsbawm - Todos os jovens
tentam fazer poesia, mas logo
percebi que não era talentoso para isso. Tentei também a ficção,
mas logo desisti. Mas vale dizer
que a história é uma forma de literatura se você quer se comunicar
com os leitores. Os historiadores
que viveram depois que sua historiografia tenha ficado obsoleta
são os que escreviam bem. Espero
que isso aconteça comigo quando
ficar obsoleto.
Folha - O sr. escreveu que as previsões do futuro devem ser baseadas em conhecimentos do passado.
O sr. sempre afirma que o século 20
foi o mais terrível na história da humanidade. O nosso século engatinha, mas, pela prévia que estamos
tendo, o sr. acha possível imaginar
que será ainda pior?
Hobsbawm - É difícil classificar o
que é "pior". O século 20 matou
mais pessoas, massacrou mais
gente e fez mais gente sofrer do
que nunca. Mas foi ao mesmo
tempo um período de extraordinária mudança e desenvolvimento. No final do século 20, apesar
disso, as pessoas viviam mais. Finalmente há um perigo no século
21 que é maior do que no 20. O da
tecnologia escapar ao controle
dos homens. Não falo em tecnologia nuclear, mas em tecnologia
biológica. Conheço pelo menos
um grande cientista que é pessimista quanto a isso. Ele defende
que a chance de o ser humano se
destruir é considerável.
Folha - O sr. é um pessimista também, não?
Hobsbawm - Sou pessimista no
sentido que não olho com grande
esperança para os próximos 20 ou
30 anos. Mas não sou um pessimista no sentido de acreditar no
fim da humanidade.
Folha - A guerra no século 21 provavelmente não vai matar tanto, o
sr. já sustentou, mas a violência vai
estar por toda parte. Viveremos a
globalização da violência?
Hobsbawm - Sim, algo assim. É
um julgamento difícil. Se você é
um brasileiro de 80 anos, você deve achar que o Rio está intoleravelmente violento, em comparação com o passado que você viu.
Se você for um brasileiro de dez
anos, você não fica muito chocado. Apesar disso, os Estados modernos estão definitivamente perdendo nas últimas três décadas o
controle da violência em seus territórios. Esse é um processo que
está apenas começando.
Folha - O sr. já batizou a Era das
Revoluções, do Capital, dos Extremos. Como o sr. imagina que se
chamará a próxima era?
Hobsbawm - Elas só podem ser
batizadas em retrospecto.
Folha - Então falemos do presente. Tony Blair está passando por
uma de suas piores crises atualmente. O que o sr. acha que acontecerá no Reino Unido?
Hobsbawm -A crise que vemos
hoje é diretamente ligada à Guerra do Iraque, que foi muito impopular na Inglaterra e foi imposta
sobre mentiras. Essa é uma crise
do Partido Trabalhista, mas é
também muito mais ampla. Eles
tentaram reformar o sistema britânico em direção ao livre mercado norte-americano, algo pouco
coerente com os princípios tradicionais do partido.
Folha - Bush não conseguiu encontrar Bin Laden, não conseguiu
encontrar Saddam, nem as armas
que dizia estarem no Iraque. O governo americano está completamente perdido?
Hobsbawm - Nós dois sabemos
que Bush nunca esteve preocupado com as armas do Iraque. Foi só
a sequência natural do 11 de Setembro, que deu a eles a possibilidade de anunciar a supremacia
mundial americana. Um jeito de
demonstrar isso era derrotar algum inimigo. Pelas mesmas razões me arrisco a fazer a previsão
de que o Irã será o próximo.
Folha - Por que o sr. acha que os
Estados Unidos estão mais poderosos do que nunca, mas que esse império não vai durar muito?
Hobsbawm - Porque nenhum
império dura muito. Já vi alguns
deles sendo derrubados. Os americanos sonham que seu império
dure para sempre.
Folha - Precisamente 70 anos
atrás o senhor estava em Berlim
quando Hitler assumiu o poder na
Alemanha, um poder que sonhava
ser eterno. O sr. acha que esse quadro pode se repetir?
Hobsbawm - Outro Hitler não
seria o problema. Os maiores perigos depois de Hitler e Stálin foram maus Estados, não liderados
por ditadores personalistas. Foram ancorados em coletivos, como militares no Brasil.
Folha - Falando em Brasil, o sr. recebeu com alegria a eleição de Lula, mas fez críticas às alianças que
ele fez para conseguir a Presidência. Meio ano depois da posse, que
balanço o sr. faria da atuação dele?
Hobsbawm - Não tenho como
dar uma resposta muito realista.
Estou aqui no Brasil há dois dias.
Não estou surpreso que exista algum descontentamento com o
governo de Lula, por não conseguir as coisas que prometia. Mas
seis meses não são nada. A questão será se Lula conseguirá manter o enorme ímpeto com que ele
chegou ao poder, que o levou a
uma votação maciça.
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