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Respeito é bom e o leitor gosta
SIDNEI J. MUNHOZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Marcos Guterman volta a
atacar a "Enciclopédia de
Guerras e Revoluções do Século
20". Ele "folheou" em poucos dias
suas mais de mil páginas e concluiu que não passam de um almanaque. O leitor não merece ser
exposto a tal virulência.
Sou co-autor da "Enciclopédia"
e asseguro tratar-se de obra sem
similar nacional e com características ímpares mesmo quando
comparada aos congêneres internacionais. O crítico açodado mostra grave desconhecimento dos
elementos básicos das enciclopédias e dicionários históricos que
circulam no mercado internacional. Por isso, vê problemas onde
não existem.
Pesquisadores consagrados e
estudantes talentosos de renomadas instituições do Brasil e do exterior colaboraram na obra. Como é plausível supor, um empreendimento envolvendo quase
300 colaboradores não poderia
ser uniforme (ressalte-se, tendências uniformizadoras sempre
produziram modelos autoritários, como demonstram muitos
verbetes da "Enciclopédia"). Ao
final, produzimos uma obra para
auxiliar estudantes, professores e
cidadãos em geral, que desejem
melhor conhecer o mundo contemporâneo.
Todo trabalho apresenta falhas,
problemas e limitações. Enfim,
nada é perfeito. Por isso, a Folha
mantém um ombudsman, publica uma coluna reconhecendo
seus erros e adota medidas para
sanar eventuais imperfeições.
Em diversos momentos da primeira "resenha", vê-se que a qualidade não importa ao crítico, mas
o tamanho do verbete. Há passagens reveladoras de absoluto desconhecimento do tema em questão. Lembramos que sem plástico
ou adesivo Guterman nem sequer
teria o computador para escrever
suas cantilenas. Noutras, percebe-se a incapacidade de considerar
que certos assuntos, embora ausentes da mídia, são de extrema
relevância para o conhecimento
acadêmico da história contemporânea. É o caso óbvio da república
curda de Mahabad, "lieux de mémoire" dos nacionalistas curdos,
que, hoje, têm peso decisivo na
construção do futuro do Iraque.
Em vez de destilar seu veneno,
Guterman poderia aprender sobre um fenômeno de forte significado na gênese da Guerra Fria, infelizmente, pouco conhecido. Em
alguns casos, essas críticas são
descuidadas, quando, por exemplo, nos acusa pela referência a
Finkelstein: ora, Finkelstein ("A
Indústria do Holocausto") foi citado para ser criticado. Será que o
resenhista leu apenas a bibliografia do verbete?
Outra questão não menos atual:
se o "resenhista" conhecesse o debate historiográfico, saberia que
Michael Hogan, expoente da corrente corporatista, aponta a existência de uma longa linha de continuidade, na política externa dos
EUA, durante o século 20, independentemente de o governo ser
republicano ou democrata. Observe-se, como evidência atual,
que John Kerry, candidato democrata ao governo dos EUA, convidou Lawrence Korb, conselheiro
do ex-presidente republicano Ronald Reagan, para compor a equipe que está definindo sua proposta de política externa.
Por desconhecer o papel de uma
obra de referência, o "crítico" insiste em ver pobreza teórica no
trabalho. Ele não compreende
que esse tipo de literatura tem
função didático-pedagógica definida: introduzir o leitor nos temas, oferecendo-lhe condições de
compreender um mínimo necessário sobre as matérias e de, através da bibliografia indicada, aprofundar suas reflexões. Basta ler
verbetes como "Fascismo", "Nazismo na Alemanha", "Guerra
Fria" e "Fundamentalismo", além
da própria "Introdução" para verificar que, sem perder de vista os
objetivos de divulgação científica,
apresentam um debate teórico
atualizado e trabalham com fontes originais. Por fim, convidamos
o leitor, a quem se destina a "Enciclopédia", a conhecê-la e a tirar
suas próprias conclusões.
Sidnei J. Munhoz é doutor em história
econômica pela USP e professor associado do programa de pós-graduação em
história comparada da UFRJ
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