São Paulo, sábado, 31 de julho de 2004

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Respeito é bom e o leitor gosta

SIDNEI J. MUNHOZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Marcos Guterman volta a atacar a "Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século 20". Ele "folheou" em poucos dias suas mais de mil páginas e concluiu que não passam de um almanaque. O leitor não merece ser exposto a tal virulência.
Sou co-autor da "Enciclopédia" e asseguro tratar-se de obra sem similar nacional e com características ímpares mesmo quando comparada aos congêneres internacionais. O crítico açodado mostra grave desconhecimento dos elementos básicos das enciclopédias e dicionários históricos que circulam no mercado internacional. Por isso, vê problemas onde não existem.
Pesquisadores consagrados e estudantes talentosos de renomadas instituições do Brasil e do exterior colaboraram na obra. Como é plausível supor, um empreendimento envolvendo quase 300 colaboradores não poderia ser uniforme (ressalte-se, tendências uniformizadoras sempre produziram modelos autoritários, como demonstram muitos verbetes da "Enciclopédia"). Ao final, produzimos uma obra para auxiliar estudantes, professores e cidadãos em geral, que desejem melhor conhecer o mundo contemporâneo.
Todo trabalho apresenta falhas, problemas e limitações. Enfim, nada é perfeito. Por isso, a Folha mantém um ombudsman, publica uma coluna reconhecendo seus erros e adota medidas para sanar eventuais imperfeições.
Em diversos momentos da primeira "resenha", vê-se que a qualidade não importa ao crítico, mas o tamanho do verbete. Há passagens reveladoras de absoluto desconhecimento do tema em questão. Lembramos que sem plástico ou adesivo Guterman nem sequer teria o computador para escrever suas cantilenas. Noutras, percebe-se a incapacidade de considerar que certos assuntos, embora ausentes da mídia, são de extrema relevância para o conhecimento acadêmico da história contemporânea. É o caso óbvio da república curda de Mahabad, "lieux de mémoire" dos nacionalistas curdos, que, hoje, têm peso decisivo na construção do futuro do Iraque.
Em vez de destilar seu veneno, Guterman poderia aprender sobre um fenômeno de forte significado na gênese da Guerra Fria, infelizmente, pouco conhecido. Em alguns casos, essas críticas são descuidadas, quando, por exemplo, nos acusa pela referência a Finkelstein: ora, Finkelstein ("A Indústria do Holocausto") foi citado para ser criticado. Será que o resenhista leu apenas a bibliografia do verbete?
Outra questão não menos atual: se o "resenhista" conhecesse o debate historiográfico, saberia que Michael Hogan, expoente da corrente corporatista, aponta a existência de uma longa linha de continuidade, na política externa dos EUA, durante o século 20, independentemente de o governo ser republicano ou democrata. Observe-se, como evidência atual, que John Kerry, candidato democrata ao governo dos EUA, convidou Lawrence Korb, conselheiro do ex-presidente republicano Ronald Reagan, para compor a equipe que está definindo sua proposta de política externa.
Por desconhecer o papel de uma obra de referência, o "crítico" insiste em ver pobreza teórica no trabalho. Ele não compreende que esse tipo de literatura tem função didático-pedagógica definida: introduzir o leitor nos temas, oferecendo-lhe condições de compreender um mínimo necessário sobre as matérias e de, através da bibliografia indicada, aprofundar suas reflexões. Basta ler verbetes como "Fascismo", "Nazismo na Alemanha", "Guerra Fria" e "Fundamentalismo", além da própria "Introdução" para verificar que, sem perder de vista os objetivos de divulgação científica, apresentam um debate teórico atualizado e trabalham com fontes originais. Por fim, convidamos o leitor, a quem se destina a "Enciclopédia", a conhecê-la e a tirar suas próprias conclusões.


Sidnei J. Munhoz é doutor em história econômica pela USP e professor associado do programa de pós-graduação em história comparada da UFRJ

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