São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2001

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CRÍTICA

Longa não cria clima necessário ao suspense

RUY GARDNIER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O cinema brasileiro sempre teve uma relação muito forte com a literatura. Nada mais natura do que adaptar a obra de Rubem Fonseca para as telas.
E "Bufo & Spallanzani" quer ser, antes de tudo, uma homenagem ao universo ficcional de Fonseca, povoado por delegados, investigadores, gente do submundo e do círculo das artes, com intrigas recheadas de sexo e violência.
Porém não consegue chegar a seus objetivos. Cai presa de um acabamento técnico em voga no cinema brasileiro atual e acaba se esquecendo de coisas mais importantes, como garra e energia. Resulta num longa tecnicamente bem feito, com atuações convincentes e uma boa história (apesar de um ou dois deslizes de roteiro), mas que não consegue criar a expectativa necessária ao suspense.
O filme se passa em dois tempos diferentes, contados de forma paralela: Ivan Canabrava (José Mayer) era funcionário de uma empresa de seguros à beira de cair num golpe milionário. Ao investigar o caso, descobre que a morte do segurado era uma fraude. Tentando provar sua descoberta, ele acaba vítima de uma rede de intrigas que o obriga a desaparecer por muito tempo.
Dez anos mais tarde, Ivan é um escritor que se esconde atrás do pseudônimo Gustavo Flávio. Sua amante é encontrada morta no banco de trás do carro, num suicídio simulado. Todas as pistas de sua morte, tanto quanto as suspeitas no golpe da empresa de seguros, conduzem ao marido dela, que é dono da companhia.
Em sua primeira direção, Flávio Tambellini mostra segurança na encenação, mas o medo de errar deixa o filme muito travado, sem poros para respirar, como o sapo que dá título ao longa, se jogado na areia. Ele consegue extrair alguns belos climas noir, ajudado pela excelente música de Dado Villa-Lobos. Essas atmosferas, entretanto, não ajudam muito na progressão dramática: as duas histórias não dão interesse à trama, parecem costuradas a esmo, sem vínculo uma com a outra.
A fotografia de Breno Silveira, mesmo exuberante, não colabora com a narrativa, servindo mais como portfólio. A montagem de Sérgio Mekler também não convence muito, desrespeitando o tempo de cada cena e picotando tudo à maneira do videoclipe.
Mesmo irregular em sua feitura, "Bufo" é uma adaptação muito mais interessante do que o trágico "A Grande Arte", primeiro filme de Walter Salles. Em se tratando do escritor, a melhor transposição continua sendo "Lúcia McCartney", de David Neves (70), um filme pungente e apaixonado. Características que faltam a "Bufo".


Ruy Gardnier é jornalista e editor da revista eletrônica "Contracampo"

Bufo & Spallanzani   
Direção: Flávio Tambellini
Produção: Brasil, 2001
Com: José Mayer, Tony Ramos
Quando: a partir de hoje nos cines Butantã, Lumière e circuito



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