São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

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"ROMEU & JULIETA" e "HAMLET"

Entre mortos e feridos, salva-se o Shakespeare popular

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Caviar para o vulgo, diria Hamlet. Para um público fiel, que espera horas na fila, o teatro do Sesi evita o menosprezo de ser popularesco e vem oferecendo um teatro de elite para todos. Para isso, nada melhor que Shakespeare, que tem a técnica de agradar a todas as platéias.
Shakespeare funciona sobretudo, como no caso deste "Romeu & Julieta", se a tradução não tem pudor de traduzir os trocadilhos chulos ao lado da densa poesia, se a luta cênica amarra a dinâmica urgente, se a direção valoriza igualmente todos os personagens. William Pereira, além da direção, cria uma dura Verona de muros cinzas e intransponíveis, remetendo a São Paulo, com a eloquência renascentista da luz de Domingos Quintiliano.
Neste contexto de marcas sutis e precisas, Silvia Poggetti enquanto ama e o Pedro de Virgina Buckowsky irradiam simpatia, Ismael Caneppele como Benvolio e André Correa como pai de Julieta sabem dar uma marca pessoal a personagens em geral desperdiçados, e Mário Condor (Paris) e Renato Scapin (Príncipe), cheios de dignidade, evitam o convencional. Apenas Fabiano Augusto, o Mercucio, e Carlos Palma, o frei, jogam sozinhos e acabam caindo no histrionismo.
Ana Fuser constrói a beleza de Julieta em cena, sem se apoiar em idealizações: é uma adolescente de hoje, entre a birra e o desejo, com quem a platéia pode se identificar. Sensual e vigorosa quando necessário, lhe resta aprofundar a fragilidade, na cena do balcão, por exemplo. Edu Reyes faz um Romeu eficiente, ao qual faltaria talvez uma marca pessoal. De todo modo, diante de uma platéia adolescente que não perdoa o menor deslize, e sem facilitar em nada os desafios do texto, a montagem tem gabarito para ser o inesquecível primeiro Shakespeare.
Por outro lado, "Hamlet" sucumbe ao convencionalismo. Gustavo Machado sabe incorporar marcas e texto, expondo a dor de Laertes, e Selma Egrei como rainha Gertrudes tem belo momento, narrando com pungente simplicidade a morte de Ofélia.
Mas em geral os atores declamam monólogos superpostos, a partir de uma concepção simplificada demais de cada personagem: desde o primeiro momento o rei Cláudio é um crápula libidinoso, Polônio inspira tédio, Ofélia já tem um olhar de louca. Um cenário que não ultrapassa uma primeira idéia interessante e um figurino de raro mau gosto não ajudam o ritmo que se arrasta.
Hamlet, personagem dos mais difíceis do teatro ocidental, costuma proporcionar a quem o interpreta saudável insatisfação consigo mesmo, perplexidade diante do difícil ofício do ator. Marcos Damigo, apoiando-se em clichês, desperdiça a oportunidade.
De toda forma, quando o bem coreografado duelo final acorda a platéia, a história acaba conseguindo ser contada, mesmo que de forma esquemática. Entre mortos e feridos, salva-se Shakespeare.


Romeu & Julieta    
Direção: William Pereira
Com: Edu Reyes, Ana Fuser
Quando: sáb. e dom., às 15h

Hamlet   
Direção: Francisco Medeiros
Com: Selma Egrei, Gustavo Machado
Quando: de qui. a dom., às 20h
Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 3284-2268)
Quanto: grátis (retirar ingresso com 1h de antecedência)
Patrocinador: Sesi




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