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Os sem-tela
Sem contrato de distribuição, filmes brasileiros agradam em festivais, mas podem nunca estrear; diretor da Columbia propõe barreira às filmagens
Divulgação
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O ator Rafael Raposo vive Noel Rosa e a atriz Camila Pitanga é a musa Ceci em "Noel - Poeta da Vila"
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SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos filmes preferidos do
público da 30ª Mostra de Cinema de SP não tem garantia de
estrear nos cinemas.
"Noel - Poeta da Vila", do
brasileiro Ricardo Van Steen,
está na lista de 14 finalistas
-peneirados pelos espectadores da Mostra, entre 120 longas
de novos diretores- ao troféu
de melhor desta edição. O vencedor sai na próxima quinta.
"Noel - Poeta da Vila" não
tem contrato com nenhuma
distribuidora, o tipo de empresa responsável pelo lançamento dos filmes nos cinemas e
também nos ramos auxiliares
do mercado exibidor, como
DVD e TV. Pode, portanto, ficar
inacessível ao grande público.
O filme de Van Steen não é
exceção no cenário da indústria
cinematográfica brasileira. Entre os 143 títulos que estão
atualmente inéditos ou nas fases de produção e finalização
no país, apenas 43 têm contrato
de distribuição e, por conseqüência, estréia assegurada, segundo dados da Ancine (Agência Nacional do Cinema).
A representação nacional na
Mostra de São Paulo confirma e
ilustra o fenômeno. Dos 16 filmes de ficção da disputa nacional, quatro não têm distribuidor (leia lista nesta página). Na
categoria documental os números são mais expressivos.
Pelo menos sete dos 15 documentários selecionados pelo
festival paulista não têm (ainda) perspectiva de lançamento.
Para o diretor da distribuidora Columbia, Rodrigo Saturnino Braga, essa é uma distorção
do mercado brasileiro, que deve ser corrigida. "Acho que um
roteiro não deveria entrar em
filmagem no Brasil sem ter
uma distribuidora", afirma.
Saturnino Braga parte de
uma análise "da perspectiva industrial", na qual lhe parece óbvia a inconveniência de investir
uma soma de dinheiro (público, na maioria das vezes, já que
os filmes no Brasil são realizados com receitas de renúncia
fiscal) na produção de um produto que não tem garantia de
ser comercializado.
Polêmica
Mas, como o cinema tem a
dupla face de arte industrial, a
adequação proposta pelo diretor da Columbia esbarra no domínio da liberdade de criação e
causa polêmica até entre seus
pares distribuidores. "Concordo com Rodrigo que, devido à
facilidade de captação de dinheiro incentivado [pelas leis
de renúncia fiscal], cada vez se
fazem mais filmes sem preocupações de que eles tenham acolhida tanto por qualquer distribuidora quanto pelo público",
diz Jorge Peregrino, vice-presidente para América Latina e
Caribe da Universal Pictures,
outra gigante da distribuição.
Mas Peregrino pondera:
"Não concordo em coibir que
filmes sem distribuidor desde o
início sejam produzidos, até
porque seria um crime contra a
liberdade de expressão".
Mesmo se a barreira atingisse apenas os filmes beneficiários de incentivo fiscal, o executivo da Universal acha que haveria um efeito adverso no
mercado: "Onde ficaria o primeiro filme e a "descoberta" de
novos cineastas, cada vez mais
necessária?".
O distribuidor Bruno Wainer, da Downtown, classificada
entre as distribuidoras brasileiras "independentes" (em oposição às filiais das "majors" norte-americanas), tem opinião
semelhante à de Peregrino.
"Não acho que tenhamos que
fechar o mercado para que se
produzam só filmes que tenham compromisso com distribuidor", afirma.
Por outro lado, Wainer está
de acordo também com Saturnino Braga: "Concordo com ele
que há muito dinheiro disponível para fazer filmes que não
têm compromisso com nenhum tipo de mercado, seja autoral, seja comercial. E acho
que deveria diminuir o número
desses filmes que nascem de
geração espontânea".
Presidente da Ancine, Gustavo Dahl diz que a idéia de Saturnino Braga "faz sentido, do
ponto de vista da racionalidade
de utilização dos recursos, mas
isso acabaria com a espontaneidade do impulso de produção".
Dahl cita outro fator de distorção no mercado brasileiro
de cinema, que, na sua opinião,
colabora para aumentar o gargalo que deixa filmes prontos
longe dos cinemas: "O número
de salas subdimensionado para
o tamanho do país [2.900] desestimula a constituição de distribuidores brasileiros. Objetivamente, não há espaço físico
[para lançar todos os filmes
produzidos], e a competição fica exacerbada", afirma.
Peregrino, por sua vez, não
debita o problema nem ao setor
da distribuição nem ao da exibição. "Entendo que invocar o
famoso "nó" da distribuição, como também se invoca o da exibição, é apenas uma desculpa
para não admitir que existem
filmes com potencial e filmes
sem potencial. Enfim, produtos
ruins e produtos bons."
Mas como explicar então que
filmes ameaçados de permanecer na prateleira alcancem sucesso em festivais? Jorge Durán, autor de "Proibido Proibir", longa sobre a juventude
brasileira que venceu neste ano
em Biarritz, entrou no Festival
do Rio e na Mostra de SP e permanece sem distribuidor, responde com uma analogia musical: "Você não gosta de mim,
mas sua filha gosta".
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