São Paulo, quarta-feira, 31 de outubro de 2007

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Análise/artes plásticas

Com Salão de Belas Artes, governo regride ao século 19

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Até hoje, a Secretaria de Cultura do Estado recebe inscrições para o 1º Salão de Belas Artes de São Paulo, que acontece em janeiro de 2008, no prédio da Bienal. Os vencedores concorrerão a prêmios no valor máximo de R$ 6 mil e suas obras ficarão no acervo da secretaria.
Belas-artes? É estranho que, em pleno século 21, um órgão estadual de cultura organize um evento com um termo tão datado, que remete aos salões criados no século 19 para expor as obras criadas nas academias de belas-artes e por isso denominadas "acadêmicas".
Foi contra os procedimentos acadêmicos que a arte moderna se insurgiu, ao mesmo tempo em que vários salões alternativos foram criados para expor a nova forma de produção. Um dos grandes marcos do impressionismo foi, por exemplo, a mostra com 30 artistas, em abril de 1874, no ateliê do fotógrafo Felix Nadar, portanto fora do salão oficial, na qual participaram Cézanne, Renoir e Monet, entre outros.
No Brasil, a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, foi um manifesto contra o academismo e a noção de belas-artes. Mesmo a 38ª Exposição de Belas Artes, realizada durante a gestão de Lucio Costa na direção da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, em 1931, teve seu nome alterado para Salão Revolucionário, a fim de atrair artistas de perfil moderno.
Estranhamente, o "novo" salão é promovido em conjunto com a APAA (Associação Paulista dos Amigos da Arte), organização social criada para administrar teatros estaduais, e não por nenhum das instituições que cuidam das artes plásticas no Estado, como a organização que administra o Paço das Artes, por exemplo.

Tradição
No material de divulgação, explica-se que o objetivo "é continuar a tradição do antigo Salão Paulista de Belas Artes e revelar trabalhos artísticos vinculados exclusivamente à arte figurativa". Ora, há vários salões em todo país que se originaram nos moldes de salões tradicionais, mas acompanharam as mudanças no tempo e hoje se dedicam à produção contemporânea, como em Ribeirão Preto ou Salvador. Outros, como em Recife e Belo Horizonte, passaram a oferecer residências artísticas, com bolsas para estimular a produção, obtendo sucesso. Obras produzidas nesses salões chegaram a ir direto para bienais internacionais, como a de Veneza.
Por que, então, São Paulo retorna ao século 19 e ao figurativismo, quando denominações desse tipo caducaram? Como isso pode fazer parte da política cultural do governo estadual? O curador Paulo Herkenhoff costuma abordar o conservadorismo paulista enfurecendo os curadores locais, mas o que o governo do Estado está promovendo é um atestado do reacionarismo brasileiro.


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