São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 2008

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No passo do elefante

José Saramago, 85, escolhe o Brasil para lançar o livro "A Viagem do Elefante", em novembro, quando ganhará tributo no Rio e mostra em SP
Mario Proença
O português em entrevista à Folha, em Lisboa

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A LISBOA

Um vento frio batia no vilarejo de Alcochete, que fica à beira do rio Tejo, a poucos quilômetros de Lisboa, na noite da última terça-feira. Ali, num shopping moderninho a céu aberto, "Ensaio Sobre a Cegueira" teve uma acanhada pré-estréia, na terra do criador de sua trama, o escritor e Prêmio Nobel português José Saramago, 85.
Ao lado do diretor do filme, Fernando Meirelles, Saramago fez um curioso comentário. "A última vez em que estive em Alcochete, aqui só havia burros." Sentiu-se, então, um silêncio constrangedor na platéia.
Mas ele logo explicou o que queria dizer. No passado, a região era conhecida por ser um lugar onde burros de carga vinham tomar água e se alimentar. Mas, agora, parecia ter se tornado apenas mais um lugar a sucumbir ao capitalismo.
Logo ouviram-se risadinhas. Em parte deviam ser de alívio, dos reais moradores de Alcochete, que percebiam que não, não estavam sendo xingados.
Mas, no geral, o que elas mostravam mesmo era que os presentes reconheciam naquelas palavras o bom e velho Saramago. Sempre disposto a, a partir de uma situação comezinha qualquer do dia-a-dia, buscar analogias para lançar torpedos contra as crueldades do capital e da globalização.
No dia seguinte, na sede da Fundação José Saramago, em Lisboa, pergunto ao autor se, afinal, não era melhor para a pobre Alcochete, nos dias de hoje, ser a sede de um shopping center do que uma aldeia freqüentada por burros de carga.
"É óbvio que os que ali vivem assim pensam, mas alguém precisa surgir para avivar lembranças. Conservar a memória de um outro tempo ajuda a relativizar o atual."

No Brasil
Para o métier intelectual, Saramago é um esquerdista cabeça-dura incorrigível, mas ele parece não se importar com isso, e o fato é que seus livros caíram no gosto comum geral. Principalmente por parte do público brasileiro.
Os números de vendas ilustram isso. Atacado em Portugal pela Igreja Católica, "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" vendeu na ex-colônia mais de 200 mil exemplares. Já "Ensaio Sobre a Cegueira", 300 mil, número impulsionado agora pelo filme de Meirelles.
Esse vasto mercado e uma relação afetiva crescente com o país levaram Saramago a escolher o Brasil para receber sua nova obra, o romance "A Viagem do Elefante". No dia 27 de novembro, em evento no Sesc Pinheiros, ela terá seu lançamento mundial.
Na mesma semana, o Nobel será também homenageado pela Academia Brasileira de Letras, no Rio, e terá aberta no Instituto Tomie Ohtake, em SP, uma exposição com objetos pessoais e manuscritos.
Em entrevista à Folha, Saramago explicou que seu novo romance foi concebido há muito tempo, em 1999, mas que, apenas no último ano, quando esteve entre a vida e a morte, ele recebeu seu ponto final.


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