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CINEMA/ ESTRÉIAS
Após crise, "Rock'n'Rolla" se torna "filme de época"
Longa sobre Londres no "boom" imobiliário ficou datado com recente "crash" global
Nova obra de Guy Ritchie mostra ódio e conflitos interétnicos no Reino
Unido e apresenta uma
face relevante do país
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Com "Rock'n'Rolla - A Grande Roubada", o cineasta britânico Guy Ritchie transporta para o outro lado do Atlântico,
mais uma vez, a fórmula inventada por Quentin Tarantino:
roteiro de múltiplas histórias
semi-independentes, costuradas com diálogos engraçadinhos, bandidos "espertos" e doses adolescentes de violência.
Mas há uma grande diferença entre o longa-metragem que
estréia hoje no Brasil e os dois
outros sucessos de público de
Ritchie, "Snatch - Porcos e Diamantes" e "Jogos, Trapaças e
Dois Canos Fumegantes". Sem
querer, o diretor moderninho
fez um filme de época.
O que move a trama -os conflitos entre diferentes grupos
de criminosos e empresários,
que se confundem- é uma
enorme quantidade de dinheiro criada pelo "boom" imobiliário em Londres, pela grana fácil
que transbordava na capital inglesa e seu centro financeiro
até meados do ano passado.
Como se sabe, a maré financeira global virou. E tornou curioso ouvir de um dos "empresários" do ramo imobiliário no
filme (interpretado por Tom
Wilkinson) que tal tipo de mercado "só se move em uma direção": "para cima".
De resto, continuam lá os
conflitos interétnicos, que já
davam o mote de filmes anteriores do diretor. Há uma máfia
russa -e um empresário russo
caricato, Victor, interpretado
pelo sérvio Dragan Micanovic- tentando passar a perna
em gângsteres ingleses e seu
"empresário", Lenny Cole, o
personagem do típico inglês
Wilkinson. As trapaças, óbvio,
funcionam em mão-dupla.
Lenny Cole deixa claro que
só se dobra ao convívio de imigrantes, ricos ou não, por razões estritamente financeiras.
"Este é o meu país", declara a
certa altura. "Eu mando nessa
cidade", é outra de suas frases,
logo antes de ser espancado pelos mafiosos eslavos.
Ódio interétnico, é claro, é algo corriqueiro numa cidade como Londres, um dos principais
portos para imigrantes. Junte-se a isso a obsessão inglesa por
status, e os típicos personagens
violentos de Tarantino, que pareciam indivíduos simplesmente loucos ou desajustados,
ganham uma razão maior, social, para existirem.
"Inglaterra diferente"
O título original do filme, que
pode soar estranho para brasileiros, sai da ponta mais baixa
da escala social britânica.
"Rock'n'rolla", com "a" aberto
no final, é o modo como jovens
ou trabalhadores pobres pronunciam "rock'n'roller" -a palavra reúne as idéias de malandro, sujeito ganancioso, que vive a vida com total intensidade.
Os "rock'n'rolla" do filme são
uma espécie de terceiro grupo,
à margem das trapaças milionárias de britânicos e russos,
mas tão ambiciosos quanto uns
e outros. Seu mundo é menos o
da trapaça que o do roubo e da
violência aberta.
O mais simpático desses
gângsteres é "One Two", interpretado pelo escocês Gerard
Butler (do filme "300"). À Folha, Butler disse que "alguns
filmes fazem você ter orgulho
do seu país", em referência e
elogio à obra de Ritchie.
Para ele, o diretor é hábil em
apresentar "uma Inglaterra a
que não estamos acostumados,
uma Inglaterra violenta". De
fato. Com ou sem dinheiro fácil,
a raiva e a violência -sejam
elas juvenis, econômicas ou interétnicas- fazem parte do cotidiano dos londrinos, e com
suas caricaturas Guy Ritchie
revela um país que não tolera se
mostrar dessa maneira.
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