São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2010

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CRÍTICA DRAMA

Longa questiona os limites da exploração

Abdellatif Kechiche, de "O Segredo do Grão", conta história do século 19 para discutir a xenofobia

ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO

"Vênus Negra" é um filme que, deliberadamente, impõe sofrimento ao espectador. O cineasta Abdellatif Kechiche, que competiu pelo Leão de Ouro no Festival de Veneza, expõe a tragédia vivida pela africana Saartjie Baartman, a Vênus do título.
Essa mulher, que tinha características físicas bastante particulares, foi tirada de seu país, no início do século 19, e levada para Londres e Paris, onde fazia espetáculos como uma fera tão ameaçadora quanto atraente.
Não bastasse isso, a Academia de Medicina francesa usou seu corpo, à sua revelia, para desenvolver uma teoria científica.
Kechiche usa essa história real para propor ao espectador uma reflexão sobre seu próprio olhar. Para isso, refaz os espetáculos que eram apresentados em pequenos teatros e salões. A cada cena, é mais doloroso vê-los.

XENOFOBIA
Apesar de recuperar uma história do século 19, Kechiche quer provocar sensações que remetam ao presente.
O cineasta, autor do premiado "O Segredo do Grão", mostra como se constrói o olhar coletivo e como se formam certos discursos que estão na origem da xenofobia -tema em voga na Europa.
Durante entrevista no Festival de Veneza, em setembro, Kechiche, não por acaso, fez questão de lembrar que as teorias cientificas da época retratada pelo filme impulsionaram o fascismo.
Atual é também a maneira pela qual ele enquadra o mundo da diversão, representado por personagens ambíguos, que parecem não saber, eles próprios, qual é o limite da exploração do outro. Qualquer semelhança com os reality shows não é mera coincidência.
Para viver a dona desse corpo raro e lucrativo, mas inferior, o diretor encontrou Yahima Torrès, que estreou no cinema com esse papel.
Ela pouco fala. Mas o olhar e o silêncio misterioso ficam dias e dias na nossa cabeça.
Kechiche fez um filme sem concessões. Em Veneza, arrebatou parte da plateia presente ao festival, mas foi repelido por outra parte. Saiu de lá sem prêmio algum.
"Vênus Negra" mostra o sofrimento em seu limite.
Quem suportá-lo terá, como recompensa, o prazer de ter visto um belo filme.


VÊNUS NEGRA
DIREÇÃO Abdellatif Kechiche
QUANDO hoje, às 20h40, dia 2/11, às 22h, e dia 4/11, às 18h20, no Frei Caneca
CLASSIFICAÇÃO 18 anos
AVALIAÇÃO ótimo




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